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Artigo Original, Biomed Biopharm Res., 2023; 20(1):37-50
doi: 10.19277/bbr.20.1.308; versão PDF [+]; html em inglês [EN] 

 

 

Relação entre o estado ponderal com a saúde do sono, atividade física e perceção do consumo sob stress entre os bombeiros: um estudo piloto

Leandro Oliveira 1 ✉️, Carolina Oliveira 2, Madalena Martins 2, Madalena Silva 2, Sofia Martins 2, and Carina Rossoni 2,3

1 - CBIOS - Center for Biosciences & Health Technologies, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal
2 - Escola de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade Lusófona, Av Campo Grande, 376, 1749-024, Lisboa, Portugal
3 - Universidade de Lisboa – Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina, Avenida Professor Egas Moniz, 1649-028 Lisboa - Portugal

 

Resumo

Os bombeiros são um grupo populacional que está sujeito a stress e pior qualidade do sono decorrentes da sua atividade profissional. Este trabalho teve como objetivo estudar a relação entre o estado ponderal com a saúde do sono, atividade física, perceção do consumo alimentar ou dietético e o stress entre os bombeiros. Este estudo piloto transversal decorreu durante o mês de maio de 2022. Para recolha de dados foi desenvolvido um questionário online de aplicação direta GoogleForms® e partilhado através das redes sociais. Participaram neste estudo 30 bombeiros sendo a maioria do sexo masculino (60,0%), com mais de 40 anos (56,7%), com residência em Lisboa (90,0%).  A maioria dos participantes tinha excesso de peso (63,3%), caminhavam 4 dias por semana cerca de 30 minutos, e passavam cerca de 4 horas em atividades sedentárias. A mediana da pontuação da saúde do sono foi 18 em 30 pontos. O estado ponderal apenas estava correlacionado de forma positiva com a idade. Estes resultados apontam para uma possível necessidade do desenvolvimento de programas de saúde dirigidos aos bombeiros de modo a melhorarem os seus estilos de vida e saúde ocupacional, sendo necessária a realização de mais estudos com uma amostra de maior dimensão.

Palavras-chave: estado ponderal, sono, atividade física, consumo, bombeiros

 

Para Citar: Oliveira, L., Oliveria, C., Martins, M., Silva, M., Martins, S., Rossoni, C. (2023) Relationship between weight status with sleep health, physical activity and perception of food consumption under stress among firefighters: a pilot study. Biomedical and Biopharmaceutical Research, 20(1), 37-50.

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Recebido 12/04/2023; Aceite 07/06/2023

 

Introdução

Os bombeiros são expostos a vários riscos que acarretam elevados riscos de saúde a curto, médio e longo prazo. De entre estes riscos inerentes à atividade de bombeiro podemos destacar o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças músculo-esqueléticas, e cancro. Não menos importante é a maior probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho quando comparados com a população em geral (1).

Em Portugal, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística mostram que, em 2021, existiam 26 123 bombeiros, sendo 21 137 (80,9 %) do sexo masculino, e 10 392 (60,2 %) voluntários (2). Segundo o Decreto-lei 247/2007, de 27 de Junho, aos corpos de bombeiros profissionais compete, no exercício das suas funções, as seguintes atividades (entre outras): o combate a incêndios; prestar socorro às populações em caso de incêndios, inundações, desabamentos e abalroamentos, e em todos os acidentes, catástrofes ou calamidades; prestar socorro a náufragos; e exercer atividades de socorrismo na área da saúde (3).

Para o desempenho das suas funções, os bombeiros devem ter um bom estado de saúde, bem como um estado nutricional adequado. Bombeiros com um índice de massa corporal (IMC) elevado, percentagem de gordura corporal (%) ou perímetro da cintura elevado, possuem uma maior probabilidade de lesões no serviço, (4), mais dias com menos saúde (5), e taxa de mortalidade mais elevada no desempenho das suas funções devido a doenças cardiovasculares (6). De facto, muitos bombeiros sofrem um aumento de peso muito à custa de um aumento da quantidade de gordura corporal ao longo da sua carreira (7). Por exemplo, um estudo, que seguiu bombeiros de Massachusetts entre 1996 e 2001, constatou um aumento do índice de massa corporal (IMC) de 29 kg/m2 para 30 kg/m2, tendo a prevalência de obesidade aumentado de 35% para 40% durante esse período (7). Outro estudo, reportou que bombeiros obesos tinham uma maior prevalência de hipertensão, níveis mais altos de colesterol total, níveis menores da concentração de lipoproteína de alta densidade em comparação com bombeiros (voluntários e de carreira) não obesos (8).

Além disso, o facto de os bombeiros lidarem diretamente com a vida das pessoas, exige que estes estejam concentrados e conscientes, para uma rápida tomada de decisão, que poderá ter como consequência a vida ou a morte dos indivíduos que socorrem (9). Estas situações podem levar a stresse pós-traumático e stresse ocupacional crónico (10). Sabe-se que o stresse ocupacional afeta não só os colaboradores, mas também as organizações devido às suas implicações: psicológicas (ansiedade; depressão; irritabilidade; incapacidade de tomar decisões; falta de concentração); físicas (dores de cabeça; hipertensão; doenças cardiovasculares, pulmonares e renais; problemas musculoesqueléticos, e do sistema imunitário); e organizacionais (falta ao trabalho; rotatividade; baixa produtividade; insatisfação com o trabalho; baixo empenho) (9).

Estas consequências causadas por este stress ocupacional têm também implicações na gestão do peso dos bombeiros. Em um estudo com bombeiros australianos metropolitanos, a ingestão de alimentos foi amplamente determinada pelos horários dos turnos, atitudes dos colegas de trabalho, tempo, acessibilidade e saúde (11).

Vários estudos têm apontado para uma relação bidirecional entre os hábitos alimentares e a qualidade do sono, nomeadamente uma má qualidade do sono pode afetar negativamente os hábitos alimentares, traduzindo-se numa alimentação de baixa qualidade nutricional, e num aumento do apetite, e ingestão energética (12), por outro lado, as escolhas alimentares podem influenciar a qualidade do sono (13).

O objetivo deste trabalho é estudar a relação entre o estado ponderal com a saúde do sono, atividade física e perceção do consumo alimentar e o stress numa coorte de bombeiros portugueses. O conhecimento destas interações pode permitir o delineamento de intervenções promotoras de saúde feitas à medida deste grupo populacional.  Em Portugal não foram encontrados estudos que relacionassem estas variáveis nem que fornecessem uma visão tão completa dos estilos de vida dos bombeiros portugueses, portanto esta investigação é relevante para contribuir para o conhecimento sobre a saúde e o bem-estar desta população específica.

 

Material e Métodos

Desenho do estudo e recolha de dados

Este é um estudo piloto transversal que teve como critérios de inclusão ser bombeiro em Portugal e ter 18 anos ou mais, e como critérios de exclusão ser bombeiro há < menos de 6 meses.

Utilizou-se um questionário online para a recolha de dados, este foi contruído através da plataforma GoogleForms® e todos os dados foram autorreportados. O questionário para recolha de dados compreendia as seguintes secções: caracterização sociodemográfica (sexo, idade, escolaridade, estado civil, dados antropométricos); qualidade do sono; consumo alimentar sob stress; e atividade física.

O questionário esteve disponível durante o mês de maio de 2022 e foi partilhado através do Facebook® diretamente a bombeiros, solicitando a sua participação no estudo, bem como a partilha do mesmo pelos seus colegas de profissão. Deste modo, foi realizada uma amostragem não probabilística do tipo bola de neve. Foi calculado o índice de massa corporal (IMC) através da fórmula peso (kg) / altura2 (m) (14), e classificado de acordo com os critérios da organização mundial de saúde para adultos (15).

A saúde do sono foi avaliada através da escala Satisfation Alerttness Timing Efficiency Duration (SATED) validada para a população portuguesa (16). A escala avalia cinco dimensões centrais do sono, que têm sido consistentemente associadas com os vários resultados ao nível da saúde, nomeadamente a regularidade do sono; satisfação subjetiva com o sono; estado de alerta durante as horas de vigília; timing; eficiência; e duração do sono. Na escala original, a cada questão é atribuído o valor 0, 1 ou 2 pontos, sendo a pontuação final dada pela soma individual dos itens, obtendo-se um resultado total que pode variar entre 0 (saúde do sono pobre) e 10 (boa saúde do sono) (17). Porém, tal como mencionado por Buysse (17), podem ser dadas outras opções de resposta utilizando escalas de Likert. Neste estudo optou-se por usar a versão validada numa amostra da população portuguesa (16), em que foi utilizada uma escala do tipo Likert de 6 pontos (0 – nunca; 5 – sempre), resultando numa pontuação final de, no máximo, 30 pontos. Quanto maior a pontuação maior a saúde do sono.

Para avaliação da perceção sobre o consumo alimentar, hábitos tabágicos e exercício físico sob condições de stress foi pedido aos participantes que reportassem (numa escala do tipo Likert de 1 – discordo muito a 5 – concordo muito) o grau de concordância às seguintes questões: quando me sinto stressado tenho tendência para consumir mais doces; quando me sinto stressado tenho tendência para praticar mais exercício físico; quando me sinto stressado tenho tendência para consumir mais fast-food; quando me sinto stressado tenho tendência para fumar; quando me sinto stressado tenho tendência para comer mais; e, quando me sinto stressado tenho tendência para consumir menos frutas e hortícolas.

A atividade física foi avaliada pela versão portuguesa do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) proposto pela Organização Mundial de Saúde, este fornece informações dos últimos sete dias sobre o tempo despendido a andar, em atividades de intensidade vigorosa e moderada e em atividade sedentária (18). Foi também incluída uma questão de resposta aberta sobre quais os motivos que dificultavam a prática de exercício físico.

Considerações éticas

Este estudo foi realizado seguindo as normas éticas estabelecidas na Declaração de Helsínquia de 1964 e as suas posteriores emendas ou normas éticas comparáveis (19).  Foram disponibilizadas informações a todos os voluntários sobre o estudo e um consentimento informado onde se explicou detalhadamente o objetivo e protocolo do estudo, foi-lhes garantida a confidencialidade e o uso exclusivo dos dados recolhidos para o presente estudo, sendo os dados tratados de forma a garantir o seu anonimato.

Análise estatística

Foi utilizado o software IBM SPSS Statistics, versão 26 para Windows para o tratamento estatístico deste estudo. A estatística descritiva compreendeu o cálculo de medianas e percentis (P25; P75), bem como de frequências absolutas (n) e relativas (%). De modo a avaliar a independência entre pares de variáveis foi utilizado o teste exato de Fisher, já para comparar ordens médias entre amostras independentes foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Por seu turno, o coeficiente de correlação de Spearman (r) foi aplicado para avaliação do grau de associação entre pares de variáveis contínuas. Rejeitou-se a hipótese nula para um p < 0,05.

 

Resultados e discussão

Este estudo consistiu uma abordagem piloto para o estudo da relação entre o estado ponderal, a saúde do sono, atividade física, e a perceção do consumo alimentar sob stress numa amostra de bombeiros portugueses no ativo. Os principais resultados do nosso estudo foram: elevada prevalência de excesso de peso, uma baixa atividade física, uma baixa qualidade do sono, e uma maior ingestão de doces associada ao stress.

Na Tabela 1 é apresentada a caracterização sociodemográfica, estado ponderal e atividade física dos participantes no estudo. A nossa amostra foi constituída por 30 bombeiros, sendo a maioria do sexo masculino (60,0%), com mais de 40 anos (56,7%), casados (60,0%), com residência na área metropolitana de Lisboa (90,0%), tinham o ensino secundário concluído (53,3%) e além de serem bombeiros apresentavam outra atividade profissional (53,3%).

Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica, estado ponderal e atividade física.
bbr.20.1.308.Tab1

Em relação ao estado ponderal, a maioria foi classificada como tendo excesso de peso — pré-obesidade e obesidade (63,3%). A elevada prevalência de excesso de peso encontrada neste estudo vai ao encontro da encontrada na população portuguesa (20), bem como ao de um estudo realizado em bombeiros portugueses (21) que dava conta de um prevalência de excesso de peso de 62%. Além disso, os nossos resultados também são concordantes com outros estudos internacionais em bombeiros, por exemplo nos Estados Unidos da América — EUA (22), Brasil (23) e França (24) que reportam uma elevada prevalência de excesso de peso entre bombeiros.

No que concerne à atividade física, verificou-se que os participantes faziam caminhadas quatro vezes por semana com uma duração de 35 minutos e realizavam atividades vigorosas um dia por semana durante 60 minutos. Além disso, diariamente realizavam atividades sedentárias (por exemplo, estar sentado ao computador, atendimento telefónico, entre outras) durante 120 minutos. Quando questionados sobre os motivos que dificultavam a prática de atividade física, a maioria dos bombeiros respondeu assuntos relacionados com atividades laborais (excesso de horas de trabalho, turnos rotativos, entre outros) (36,7%), falta de tempo (36,7%), não gostar de realizar atividade física ou preguiça (27,6%). Resultados semelhantes aos reportados no nosso estudo foram encontrados noutros trabalhos com bombeiros (22,25), indo também ao encontro do reportado na população portuguesa (26), onde 73% dos portugueses dizem nunca se exercitar ou praticar desporto, com mais 5% a fazê-lo apenas "raramente". No caso dos bombeiros portugueses, também é relatado que 49% não pratica nenhuma atividade física (21).

Estes resultados afastam-se do recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Segundo esta, os adultos devem realizar pelo menos 150 a 300 minutos de atividade física aeróbica de intensidade moderada ou pelo menos 75 a 150 minutos de atividade física aeróbica de intensidade vigorosa; ou uma combinação equivalente de atividade física de intensidade moderada e vigorosa ao longo da semana para benefícios substanciais à saúde (27),  No nosso estudo verificou-se uma baixa atividade física entre os bombeiros, nomeadamente a realização de caminhadas quatro dias por semana durante cerca de 35 minutos, e de atividades sedentárias cerca de 270 minutos por dia.

A atividade física em bombeiros tem sido um fator estudado, e apontado como um importante determinante de saúde (28,29). Um estudo (30) com bombeiros do Chipre, a atividade física parece estar inversamente associada ao stresse ocupacional e serve como um importante fator atenuante do stresse ocupacional em bombeiros. Segundo um estudo com bombeiros sul coreanos (31) uma elevada perceção de excesso de trabalho, maior realização de atividades que exigem maior força física, uma maior frequência de realização de atividades ocupacionais, e realização de atividade física de alta intensidade foram significativamente correlacionados com um risco aumentado de insónia.

Na Tabela 2 é apresentada a avaliação da saúde do sono de acordo com a escala SATED. A maioria dos participantes adota uma posição intermedia da escala SATED para a maioria dos seus itens. Contudo, cerca de 40% dos participantes menciona “sempre” aos itens “Consegue ficar acordado todo o dia sem fazer uma sesta?” e “Encontra-se já a dormir (ou na cama) entre as duas e as quatro horas da madrugada?”. A mediana (percentil 25; percentil 75) da pontuação da escala SATED foi 18 (8,0; 23,0), num máximo de 30 pontos. De facto, a literatura reporta uma baixa qualidade do sono entre os bombeiros (32,33),  o que também encontramos no nosso estudo e ainda mais incidente nos bombeiros que fazem turnos da noite (34). Um sono de má qualidade pode afetar o funcionamento cognitivo (por exemplo, velocidade de processamento, coordenação visomotora e tempo de reação), aumentando a probabilidade de um mau desempenho no trabalho ou lesão (35).

Tabela 2 - Avaliação da saúde do sono de acordo com a escala SATED.
Table 2

Por fim, na Tabela 3 é avaliada a perceção do consumo e prática de exercício físico em condições de stress. Cerca de 50% dos participantes discorda muito/ discorda que quando se sentem stressados têm tendência para praticar mais exercício físico, e consumir mais fast food. Os participantes mencionam ainda discordar muito/ discordar que quando se sentem stressados têm tendência para fumar (63,3%), para comer mais (46,6%), e consumir menos frutas e hortícolas (40,0%). Por outro lado, mencionam concordar/ concordar muito que quando se sentem stressados têm tendência para consumir mais doces (43,4%). Foram ainda realizados testes de correlação entre variáveis (idade, IMC, escala SATED e perceção de consumo sob condições de stress). Deste modo, verificou-se que quanto maior a idade, maior o IMC (r: 0,290; p: 0,041) e menor a tendência de consumo de fast food (r: -0,427; p: 0,002), e comer mais (r: -0,361; p: 0,010) quando se sentem stressados. Quanto maior a pontuação na escala SATED, menor a tendência para fumar (r: -0,333; p: 0,018) quando se sentem stressados. Quanto maior a tendência para consumir mais doces, maior a tendência para comer mais (r: 0,783; p: <0,001), consumir mais fast food (r: 0,589; p: <0,001), e consumir menos frutas e hortícolas (r: 0,516; p: <0,001) quando se sentem stressados. Quanto maior a tendência para fumar, maior a tendência para consumir menos frutas e hortícolas (r: 0,342; p: 0,015) quando se sentem stressados. Quanto maior a tendência para comer mais, maior a tendência para consumir menos frutas e hortícolas (r: 0,466; p: <0,001) quando se sentem stressados.

Tabela 3 - Perceção do consumo e prática de exercício físico em condições de stress (n=30).
Table 3

O stress também tem sido associado a uma baixa qualidade do sono (36) e aumento do consumo ou ingestão  alimentar de alimentos calóricos, destaca-se fast food, doces e assim uma redução de alimentos saudáveis, como frutas e hortícolas. De facto, segundo um estudo indivíduos sob stress consomem alimentos que normalmente evitam por motivos de perda de peso ou de saúde (ou seja, snacks altamente energéticos e ricos em gordura), reportando que o consumo desses alimentos os fazem sentir melhor (37). Outro estudo relata que indivíduos com maior tensão tendem a consumir mais doces e fast foods (38). Isto pode ser uma possível explicação para as correlações encontradas no nosso estudo, em que se verificou que quanto maior tendência para consumir mais doces, maior a tendência para comer mais, consumir mais fast food e consumir menos frutas e hortícolas quando se sentem stressados. Tendo em conta que a atividade de bombeiro está sujeita a elevados níveis de stress (39), e tendo a nossa amostra tendência para o consumo de alimentos pouco saudáveis (como os doces, ricos em açucares e energia), e baixa atividade física, é justificável a elevada prevalência de excesso de peso encontrada.

Para o desempenho das suas funções os bombeiros devem ter um bom estado de saúde (1). Contudo, a nível da saúde ocupacional dos Bombeiros, apenas foi encontrado o programa “Saúde +”, tem como objetivo atuar a nível da atividade física, nutrição e gestão do stress. Foi também  encontrado um manual elaborado pela Direção Geral da Saúde e a Autoridade Nacional de Proteção Civil (1) com o intuito de sensibilizar os bombeiros e Corpos de Bombeiros, para a importância da adoção de um estilo de vida saudável. Deste modo, os resultados deste estudo apontam para a necessidade de serem desenvolvidos e, acima de tudo, implementados programas de promoção de saúde destinados a este grupo populacional.

Limitações e Direções Futuras

Tal como qualquer estudo este apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, o seu desenho transversal não permite a extrapolação dos seus resultados. O tamanho reduzido da amostra (apenas 30 participantes) é outra limitação, apesar de termos tentado aumentar a amostra solicitando a partilha do questionário, em diferentes momentos, nas redes sociais. Além disso, o facto de os dados antropométricos terem sido autorreportados também apresenta uma limitação, pelo que os resultados devem ser interpretados com precaução. Por exemplo, segundo um estudo realizado em bombeiros (homens e mulheres) dos EUA (40) as mulheres subestimaram o peso mais que os homens e estes superestimaram mais a altura do que as mulheres. Além disso, o facto de a amostragem dos participantes ter sido efetuada através da técnica de bola de neve não permitiu um controlo sobre como se constituiu a amostra nem a sua representatividade.

Contudo, importa realçar que este é um estudo piloto que servirá de base para um estudo de maiores dimensões. Além disso, foram utilizadas ferramentas validadas para a população portuguesa. A nosso conhecimento este é o primeiro estudo a relacionar o estado ponderal, saúde do sono, a atividade física, e consumo alimentar sob condições de stress em bombeiros em Portugal.

 

Conclusões

Verificou-se que o estado ponderal apenas estava correlacionado de forma positiva com a idade. Foi, ainda, encontrada uma prevalência de excesso de peso (pré-obesidade e obesidade) elevada, bem como uma baixa atividade física. As questões laborais foram a razão mais mencionada como barreira à prática de atividade física. Quando à saúde do sono foi obtida uma pontuação mediana face à escala utilizada. Verificou-se ainda que quando se sentiam sob condições de stress os bombeiros que mencionaram ter tendência a comer mais, tinham também tendência a consumir mais doces, fast food e menos frutos e hortícolas.

Os resultados do nosso trabalho apontam para a necessidade da realização de um estudo de maiores dimensões, alertando desde já para a uma possível necessidade do desenvolvimento de programas de prevenção e intervenção dirigidos aos bombeiros com o intuito de melhorar a sua saúde do sono, prevenir o excesso de peso, aumentar os níveis de atividade física, e gerir os hábitos alimentares em situações de stress.

 

Declaração sobre as contribuições dos autores

CO, MM, MS, SM e LO, conceção e desenho do estudo; LO análise dos dados; CO, MM, MS, SM, LO e CR, interpretação dos resultados; CO, MM, MS, SM e LO, redação, edição e revisão; CO, MM, MS, SM e LO, tabelas; LO e CR, supervisão e redação final.

 

Financiamento

Este trabalho é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através dos projetos UIDB/04567/2020 e UIDP/04567/2020 do CBIOS.

 

Agradecimentos

Os autores desejam expressar os seus agradecimentos a todos os participantes.

 

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não há relações financeiras e/ou pessoais que possam representar um potencial conflito de interesses.

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Referências

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