10.19277/bbr.19.2.296.pt

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Ciências Biomédicas, Biomed Biopharm Res., 2022; 19(2):314-336

doi: 10.19277/bbr.19.2.296; versão PDF aqui [+]; inglês versão html [EN]

 

 

Farinha de Bagaço de Uva: de subproduto da vinificação a alternativa sustentável para benefícios à saúde

Raphaela Cassol Piccoli 1, Paula Pereira 2,3,4, Marisa Nicolai 2, Maria Lídia Palma 2, Francieli Moro Stefanello 5, Rejane Tavares Giacomelli 1,2,5*

1Postgraduation Program in Food and Nutrition, College of Nutrition, Federal University of Pelotas, 96010-610, Pelotas-RS, Brazil; 2Center for Research in Biosciences & Health Technologies (CBIOS), Universidade Lusófona, 1749-024 Lisboa, Portugal; 3Center for Natural Resources and Environment (CERENA), Instituto Superior Técnico (IST), Universidade de Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; 4EPCV-ULHT-Universidade Lusófona 1749-024 Lisboa, Portugal; 5Center for Chemical, Pharmaceutical and Food Science (CCQFA), Federal University of Pelotas, Campus Universitário S/N, 96160-000, Pelotas-RS, Brazil

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Resumo

O bagaço de uva (BU) é um subproduto da indústria vinícola que, apesar de seu conteúdo em compostos bioativos ser significativo, é amplamente descartado durante o processo de vinificação. A presente revisão teve como objetivo resumir evidências recentes sobre as propriedades biológicas, metabólicas, nutricionais e sensoriais de alimentos suplementados com farinha de bagaço de uva (FBU) na sua totalidade administrados a diferentes modelos. Nesse sentido, a pesquisa foi realizada nas bases de dados eletrónicas “PubMed”, “Google Scholar” e “SCOPUS” e compreendeu estudos que utilizaram bagaço de uva na sua totalidade para a produção de farinha. A FBU demonstrou ter um elevado teor de fibra alimentar e polifenóis que originou mudanças consideráveis nas características organoléticas, como na cor e textura de alimentos fortificados, e parâmetros metabólicos. Nalguns estudos pré-clínicos e clínicos, observou-se um aumento no perfil antioxidante e anti glicémico e um decréscimo na pressão arterial, o que sugere a FBU como um possível agente promotor da saúde quando usado como fortificante de alimentos.

Palavras-chave: farinha do bagaço de uva, alimentos fortificados, compostos fenólicos, fibra dietética

Recebido: 15/11/2022; Aceite: 31/12/2022

 

Introdução

A uva (Vitis vinifera) é uma das culturas mais cultivadas em todo o mundo. De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (1), a produção anual mundial de uvas frescas em 2019 foi de cerca de 85 milhões de toneladas. Mais de 50% da colheita deste produto é utilizada na produção de vinho. Após a extração do sumo, aproximadamente 25% da uva processada constituí um resíduo sólido denominado como bagaço de vinho ou bagaço de uva (BU) (2,3). Este resíduo é resultado da prensagem de uvas frescas, fermentadas ou não, durante o processo de vinificação, sendo composto por uvas prensadas, películas, sementes, pedúnculos e células fermentadas (3-5).

Embora o BU apresente diferentes usos tais como a adubação é ainda e, principalmente, matéria-prima para a produção de álcool, aguardente bagaceira, bebidas alcoólicas e utilizada em ração animal (3); anualmente, uma grande quantidade deste subproduto é deliberadamente descartado pela indústria e traz sérios problemas ao meio ambiente, como poluição do solo e das águas. Por outro lado, o BU contém quantidades significativas de fibra alimentar e fitoquímicos como flavonoides (por exemplo catequinas e antocianinas), estilbenos e ácidos fenólicos, que permanecem no bagaço após o processo de vinificação (6,7).

No que diz respeito ao contexto ambiental e nutricional a alternativa mais sustentável para o reaproveitamento do BU parece ser na forma de farinha de bagaço de uva (FBU), que é obtida após a secagem e moagem do bagaço (5). Recentemente, têm sido estudados os efeitos da FBU a nível metabólico e a sua utilização como ingrediente fortificante em alimentos, com vista a melhorar as propriedades sensoriais, aumentar o valor nutricional e como potencial agente promotor da saúde (7).

Assim, temos como objetivo rever as evidências recentes sobre as propriedades biológicas, metabólicas, nutricionais e sensoriais de alimentos suplementados com FBU e a sua administração a diferentes modelos. Diante da relevante questão ambiental, resumimos as evidências que avaliaram a totalidade desse subproduto seco e moído devido à praticidade e baixo custo desse processo.

Material e métodos

Fontes de dados e estratégia de pesquisa

A presente revisão foi realizada a partir da pesquisa de artigos indexados nas bases de dados eletrónicos PubMed, Google acadêmico e SCOPUS utilizando-se as palvras-chave em inglês “grape pomace flour” e “grape pomace”. Foram utilizados os artigos publicados entre 2010 e 2022. Também foi realizada uma análise das referências bibliográficas dos artigos selecionados para identificar outros estudos potencialmente relevantes.

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão foram: 1. Estudos que investigassem aspetos metabólicos, bioquímicos, sensoriais ou físico-químicos da administração ou formulação de produtos com farinha de bagaço de uva; 2. BU utilizado na sua totalidade (não partes isoladas ou frações do bagaço); 3. Publicação como texto completo em língua inglesa. Foram excluídos todos os artigos que não atendiam aos critérios de inclusão.

Seleção de estudos

A seleção dos artigos incluídos nesta revisão seguiu a sequência: 1. introdução dos descritores nas bases de dados; 2. Seleção por títulos; 3. Leitura dos resumos dos artigos selecionados pelo título (pré-seleção); 4. Leitura na íntegra dos artigos pré-selecionados pelo revisor; 5. Inclusão de artigos com dados relevantes; 6. Artigos publicados entre 2010 e 2022. A busca inicial resultou em 32 artigos. Após a revisão dos títulos e avaliação do atendimento aos critérios de inclusão, 13 artigos foram selecionados e incluídos na revisão. Sendo que dois foram encontrados no SCOPUS, dois no Google Scholar e nove no PubMed.

Resultados e Discussão

Características gerais

As Tabelas 1, 2 e 3 apresentam as principais características e resultados dos estudos que foram incluídos na presente revisão e estão divididas de acordo com os tipos de estudo: pré-clínicos, observacionais e de avaliação sensorial de alimentos, respetivamente. Os estudos foram publicados entre 2014 e 2021. Quatro dos estudos foram conduzidos no Chile, três no Brasil, dois em Portugal, um na Tunísia, um na Tailândia, um nos Estados Unidos e um em Espanha.

Estudos pré-clínicos

Em 2015, Hernández-Salinas et al. (8) realizaram um estudo para investigar os efeitos da suplementação de FBU durante dezesseis semanas no metabolismo da glicose e stress oxidativo num modelo animal de síndrome metabólica (SM) induzida por uma dieta rica em frutose. Neste sentido, foi comparada uma dieta controlo com: uma dieta controlo mais 20% de FBU, dieta controlo mais 50% de frutose e dieta controlo mais 50% de frutose e 20% de FBU. Os parâmetros avaliados foram os níveis séricos de glicose, insulina e triglicerídeos, a pressão arterial e o peso corporal. Foi ainda calculado o índice de avaliação do modelo de homeostase (HOMA), foi realizado o teste de tolerância à glicose e o índice de stress oxidativo foi medido no plasma e no rim. No final do protocolo experimental observou-se que a suplementação de FBU foi capaz de prevenir o aumento dos níveis de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) no plasma e no tecido renal causados pela administração de uma dieta rica em frutose. Além disso, também preveniu o aumento do índice HOMA, glicemia de jejum, que variou de 104.3 ± 2.8 no grupo frutose não tratado para 91. ± 2.84 mg/dL no grupo frutose que recebeu FBU e insulina plasmática que variou de 912.2 ± 1.3 para 8.9 ± 0.7 μU/mL comparado com o grupo de intervenção não tratado. Embora tenham sido avaliados pressão arterial e peso corporal, não foram observadas diferenças significativas nestes parâmetros em nenhum dos grupos.

Segundo os autores, altas concentrações de frutose estimulam a produção de ácido úrico no momento de sua metabolização. No meio extracelular, o ácido úrico exerce atividade antioxidante, mas no meio intracelular pode induzir uma cascata oxidativa, mediada pela NADPH oxidase. Este mecanismo é dose-dependente e pode levar a um estado de estresse oxidativo (EO) (8). Além disso, segundo a literatura, um ambiente hiperglicêmico induz a instalação de vias inflamatórias por meio da estimulação da liberação de citocinas pró-inflamatórias como fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), interleucina-6 (IL-6) e IL-1β. EO e inflamação estão intimamente relacionados com o desenvolvimento de doenças crônicas. Nesse sentido, estudos anteriores na literatura já mostraram que os polifenóis da dieta podem suprimir a inflamação sistêmica e, consequentemente, o EO, por meio da modulação das atividades dos principais fatores de transcrição que regulam as respostas celulares ao estresse oxidativo e à inflamação como a liberação de citocinas pró-inflamatórias, a regulação das vias de sinalização relacionadas à inflamação e a atividade de enzimas proinflamatorias como a COX-2, MAPK e proteína-C quinase (9).

Charradi et. al. (2017) (10) relataram o potencial efeito anti lipotóxico de farinha da semente e películas de uva (FSPU) no cérebro de ratos fêmeas ou machos obesos induzidos por uma dieta rica em gordura (DRG), com enfase na proteção contra o stress oxidativo e inflamação induzidos por lipotoxicidadeA dieta dos animais foi misturada com 5% da FSPU por oito semanas. No final do período experimental, os autores puderam observar que essa suplementação resultou na proteção contra o aumento da deposição da fração LDL-colesterol no plasma e no cérebro, lipoperoxidação, carbonilação de proteínas e diminuição da atividade antioxidante causada pela DRG. A FSPU também anulou os distúrbios causados pela DRG no que respeita aos metais de transição e enzimas associadas, mediadores intracelulares e enzimas associadas, adipocinas periféricas e deposição de lipídios no cérebro. Sabendo que a lipotoxicidade cerebral dependente da DRG é mais significativa em ratos machos do que nas fêmeas, devido ao efeito protetor anti-inflamatório dos estrogênios a suplementação com FSPU protegeu eficientemente ambos os sexos.

Um estudo experimental desenvolvido por Souza et al. (2019) (11) avaliou se a suplementação dietética com FBU durante 10 semanas foi capaz de prevenir ou reduzir o dano oxidativo hepático de carpas-capim (Ctenopharyngodon idella) infetadas experimentalmente por Pseudomonas aeruginosa. Nesse sentido, os autores incluíram 150 ou 300 mg/kg de FBU na dieta basal dos peixes. Embora os autores tenham avaliado os efeitos de duas diferentes concentrações de FBU, apenas a suplementação de 300 mg/kg demonstrou resultados significativos. Nesse sentido, foi observado um aumento do sistema de defesa antioxidante enzimático e não enzimático devido a um aumento significativo nas atividades hepáticas das enzimas Superóxido Dismutase (SOD), Catalase (CAT) e nos níveis hepáticos da atividade antioxidante total contra radicais peroxil (ACAP), demonstrando uma alta capacidade de sequestrar o radical peroxil. Além disso, os níveis de espécies reativas ao oxigênio (ROS), metabólitos do óxido nítrico (Nox) e TBARS dos animais tratados permaneceram semelhantes aos dos grupos controlo, já os não tratados apresentaram concentrações significativamente maiores desses marcadores, demonstrando que a suplementação profilática foi capaz de proteger o fígado contra danos oxidativos.

De acordo com a literatura, várias evidências têm demonstrado que os compostos bioativos da uva exercem efeitos hepatoprotetores, às vezes, por ação sinérgica. Ainda assim, o resveratrol, que é o principal componente da uva tinta, é considerado o principal responsável pelas ações antioxidantes que podem ser observadas nestas culturas (12). Entre os mecanismos de ação propostos para o resveratrol está a supressão da síntese de ROS pela inibição da depleção enzimática ou pela quelação de oligoelementos envolvidos na produção de radicais livres, eliminação de ROS, a regulação ou proteção da defesa antioxidante e ativação de fatores da via de defesa (11). Por outro lado, apesar dos sólidos dados científicos que indicam os benefícios do resveratrol à saúde, o uso desse polifenol ainda gera dúvidas devido à sua baixa biodisponibilidade via oral, apesar de sua alta bioatividade. A baixa biodisponibilidade oral do resveratrol é direcionada à sua menor solubilidade aquosa, permeabilidade da membrana e estabilidade metabólica (13). Nesse sentido, estudos têm sido realizados a fim de listar vias de administração, concentração e classes de derivados que proporcionem melhor biodisponibilidade e, conseqüentemente, eficácia. Portanto, embora este composto esteja abundantemente presente na composição química do FBU e tenha demonstrado efeitos como composto isolado em protocolos in vitro (14,15), ainda são necessários estudos para elucidar seus efeitos e metabolização da FBU isoladamente.

Também em 2019, Alba et al. (16) avaliaram os efeitos da FBU na produção e qualidade do leite de ovelhas Lacaune sob stress térmico. As variáveis estudadas foram a atividade antioxidante, os níveis séricos de alguns marcadores bioquímicos, e componentes do sistema imunológico. Os animais receberam 0,8 kg/dia de um composto concentrado com 1 ou 2% da FBU, dividido em duas administrações ao dia durante duas semanas. Os autores puderam demonstrar que a suplementação concentrada resultou numa elevada resposta antioxidante no soro das ovelhas. Além disso, os níveis séricos de ureia foram reduzidos (de 38.0 no grupo controlo para 27.6mg/dL) enquanto as concentrações séricas de glicose (de 54.7 para 66.6mg/dL) e de triglicerídeos (de 20.1 para 36.9 mg/dL) foram superiores nos animais suplementados com 2% de FBU, o que pode ser explicado pelo aumento na concentração de extrato etéreo na dieta com 2% de FBU (16). O extrato etéreo está relacionado com maior percentual de energia na dieta.

Este estudo pode demonstrar que com a administração experimental de FBU obteve-se um maior controlo do stress oxidativo, um aumento da eficiência produtiva (aproximadamente 18%) e uma melhoria na saúde dos ovinos. Nesse sentido, pode-se observar que o aumento das concentrações séricas sustenta ainda mais a regulação positiva da capacidade antioxidante do leite após a administração da FBU, que está relacionada com os antioxidantes, tais como a quercetina, resveratrol e fenóis que constituem a composição química da uva. Além disso, os autores assumem que o aumento da eficiência produtiva após a adição da FBU pode ser resultado do maior controlo do stress oxidativo e diminuição da concentração de radicais livres; pelo que se coloca a hipótese que a suplementação de FBU poder aumentar a vida útil do leite e seus derivados (16).

Em 2019, Rivera et al. (17) lideraram um estudo experimental para investigar o impacto de uma suplementação dietética de FBU, durante uma ou duas semanas, num modelo de cardiopatia isquémica letal. Nesse sentido, compararam, em machos e fêmeas SR-B1 KO/ApoER61h/h, o efeito da adição de 20% de uma dieta aterogénica (com elevado teor de gordura, colesterol e ácido cólico) à dieta basal, com 20% de farinha de bagaço de vinho tinto (FBVT) versus a dieta aterogénica e 10% de fibra de aveia. Os autores observaram que a suplementação com FBVT apresentou uma melhoria significativa na expectativa de vida dos animais em comparação com os grupos que não receberam a farinha. Ao analisar a capacidade antioxidante plasmática da FBVT, os autores constataram a diminuição dos níveis de oxidação de dihidrorodamina (DHR) para valores basais, enquanto, a dieta experimental exerceu um aumento de mais de 100% neste parâmetro. Por fim, os autores avaliaram os distúrbios cardíacos causados pela administração de uma dieta aterogénica e os potenciais efeitos da suplementação de FBVT. Nesse sentido, no final do estudo, o grupo alimentado com FBVT apresentou uma menor formação de placas ateroscleróticas e áreas coradas com Oil Red O, assim como uma melhoria significativa da função cardíaca sistólica para níveis normais no dia 14. Os resultados obtidos por Rivera et al. (17) mostraram que, mais do que aumentar a vida útil dos camundongos, o consumo de FBVT foi associado a uma redução significativa nas lesões ateroscleróticas e na doença isquémica do coração para além do efeito antioxidante. Os resultados encontrados pelo presente artigo indicam que o efeito da FBVT observado, numa diversidade de alvos, não está relacionado apenas com o elevado conteúdo em fibra, uma vez que o grupo alimentado com farinha de aveia não demonstrou os mesmos efeitos que os alimentados com FBVT, fato que está provavelmente relacionado com outros componentes específicos desta farinha.

Recentemente, em 2021, Harikrishnan et al. (18) avaliaram os efeitos da inclusão dietética de FBU, durante oito semanas, no crescimento, perfil antioxidante e anti-inflamatório, imunidade inata-adaptativa e expressão de genes imunes em Labeo rohita contra Flavobacterium columnaris. Os animais foram separados em quatro grupos diferentes que receberam 0 (grupo controlo), 100, 200 ou 300 mg/kg da FBU suplementada na dieta basal. Após o protocolo experimental, de 60 dias, os autores puderam observar que a dieta com 200 mg/kg de FBU foi a que obteve resultados mais significativos na taxa de crescimento, status antioxidante e mecanismos de defesa imunológica Nesse sentido, houve um aumento significativo de SOD (de 4.76 ± 0.25 no grupo controle infectado para 6.63 ± 0.36 e 6.33±0.31 U/mg-1 nos grupos suplementados com 220 e 300 mg/kg, respectivamente) , glutationa peroxidase (GPx) (de 25.14 ± 2.15 para 41.60 ± 2.40 e 34.14 ± 1.67 U/mg-1 nos grupos suplementados com 220 e 300 mg/kg, respectivamente), glutationa (GSH) (de 4.11 ± 0.25 para 8.23 ± 0.44 e 6.75 ± 0.3 mg/g-1 de proteína) , atividade fagocitária (PC), explosão oxidativa respiratória (RB), via alternativa do complemento (ACP), lisozima (Lyz), e imunoglobulina M total (IgM) nos grupos suplementados com 200 ou 300 mg/kg de FBU. De acordo com o presente trabalho, a FBU foi capaz de aumentar a via antioxidante enzimática e não enzimática através do aumento de enzimas acompanhado de um equilíbrio entre síntese e exclusão de ROS.

Estudos clínicos/observacionais em modelos humanos

Em 2015, Urquiaga et al. (19) num estudo prospetivo, randomizado e controlado de grupos paralelos avaliaram o efeito da FBU nos marcadores da SM em humanos. Nesse sentido, foram recrutados trabalhadores do sexo masculino que se voluntariaram para o estudo e que consumiam regularmente uma dieta onívora e apresentavam pelo menos um marcador da SM. Após a seleção dos participantes do estudo, eles foram aleatoriamente designados para grupo intervenção ou controlo. Ambos os grupos foram orientados a manter os seus hábitos alimentares e estilode vida regulares, com exceção do grupo de intervenção a que se adicionou 20 g de FBU/dia durante as 16 semanas. A FBU foi consumida em pão, biscoitos ou diluída em água. Os participantes passaram por avaliações clínicas, nutricionais, antropométricas e laboratoriais no início e no final do estudo. No final do estudo, os autores puderam observar que o grupo controlo apresentou um aumento estatisticamente significativo, no índice de massa corporal (IMC) (de 27.9 ± 3.5 para 28.3 ± 3.6kg/m² ao final do período experimental), enquanto não foram observadas diferenças significativas nas características antropométricas do grupo de intervenção. O consumo de FBU resultou numa diminuição significativa da pressão arterial sistólica (de 127.1 ± 11.5 para 122.8 ± 8.5 mmHg) e diastólica (de 79.7 ± 8.3 to 74.4 ± 5.6mmHg), níveis de glicose em jejum (de 92.7 ± 5.8 para 89.4 ± 7.9mg/dL) e danos proteicos medidos através de grupos carbonilo em proteínas plasmáticas (de 0.56 ± 0.18 para 0.44 ± 0.19 nmol/mg de proteina), para além disso o γ-tocoferol (de 1.80 ± 0.74 para 2.40 ± 1.36 µM), δ-tocoferol (de 0.70 ± 0.13 para 0.79 ± 0.23 µM) α-tocoferol (de 31.67 ± 8.58 para 32.48 ± 8.73 µM) aumentaram significativamente no grupo suplementado com FBU (19).

Mais recentemente, em 2018, Urquiaga et al. (20) desenharam um ensaio longitudinal de três meses consistindo em dois períodos de tratamento de quatro semanas, separados por um terceiro período de wash-out de quatro semanas. Foram recrutados trabalhadores voluntários do sexo masculino que consumiam regularmente uma dieta onívora e apresentavam pelo menos um marcador de SM e índice de massa corporal (IMC) entre 25,0 e 39,9 kg/m2. Foi solicitado aos participantes para a manterem os seus hábitos alimentares e estilo de vida regulares durante o estudo, exceto a adição diária de hambúrgueres contendo 7 g de FBU durante as primeiras e últimas quatro semanas do protocolo experimental. Os participantes tiveram avaliações clínicas, nutricionais e antropométricas no início e no final do estudo. Após as 16 semanas, os autores puderam observar que o consumo do hambúrguer suplementado com FBU resultou numa diminuição significativa, ao longo do período experimental, no valor da glicemia, valores de insulina plasmática e do índice HOMA, as quais permaneceram baixas durante o período de wash-out. Observou-se ainda um aumento dos antioxidantes plasmáticos, no período de consumo dos hambúrgueres suplementados com FBU, nomeadamente na concentração de vitamina C e diminuição dos níveis plasmáticos de ácido úrico e capacidade de eliminação de radicais 1,1-difenil-2-picrilhidrazil (DPPH∙). Além disso, o consumo de hambúrgueres suplementados com FBU exerceu uma diminuição significativa sobre os níveis de produtos oxidação avançada de proteínas (AOPP) e lipoproteína oxidada de baixa densidade (oxLDL). Em relação as características antropométricas dos participantes, não foram observadas mudanças significativas ao longo do período de intervenção, bem como não houve variações no número de indivíduos com peso normal, sobrepeso ou obesidade.

É interessante mencionar que ambos os estudos avaliaram o efeito da suplementação com FBU em uma coorte de indivíduos com SM. Segundo os autores, o objetivo principal era testar a hipótese de que o consumo de FBU (rica em fibras alimentares e compostos bioativos) poderia exercer efeitos benéficos sobre parâmetros bioquímicos e marcadores de estresse oxidativo na SM, considerando que a desregulação desses parâmetros resulta em maior risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares e diabetes. Além disso, em ambos os artigos, a ingestão alimentar geral foi avaliada por meio de um questionário autorreferido com quatorze itens que mediu a adesão à dieta mediterrânea no Chile, baseada no hábito alimentar de países da região Mediterrânea, com modificações que abranjam os hábitos chilenos. A pontuação varia de 0 (mínima aderência) a 14 pontos (máxima aderência), e não foram observadas diferenças significativas de pontuação entre os grupos.

Em relação aos parametros metabólcios, em ambos os estudos, os autores puderam observar uma redução nos níveis de glicemia de jejum e, além da FBU ser rico em fibra dietética antioxidante, conhecida pela sua resistência à digestão pelas enzimas gastrointestinais humanas, já existem evidências que relacionam o seu consumo com uma melhoria no metabolismo dos hidratos de carbono. Todavia, o mecanismo associado a esses efeitos benéficos ainda não é conhecido, coloca-se a hipótese que a fibra alimentar atue em sinergismo com o conteúdo fenólico das FBU (20). Além disso, pode-se observar uma redução estatisticamente significativa da pressão arterial após a ingestão de FBU. Dados anteriores da literatura associam o consumo de extratos de uva, ricos em ácidos fenólicos, flavonóides, antocianinas, estilbenos e lipídos, com efeitos anti-hipertensivos e, consequentemente, cardioprotetores (21). Além disso, produtos antioxidantes associados a fibras que são liberados pela fermentação no colon podem explicar a redução na pressão arterial observada após a suplementação de FBU (19).

De acordo com os resultados observados por Urquiaga et al. 2015 e 2018 (19, 20), o consumo de FBU levou a um aumento das defesas antioxidantes e uma redução nos marcadores de danos oxidativos e proteicos, o que reforça o efeito antioxidante das uvas conforme referenciado anteriormente (21). Por fim, alguns dos participantes relataram efeitos colaterais, durante o protocolo experimental, com o consumo de FBU: 7 participantes relataram aumento de gases intestinais, 6 azia, 7 regularização do trânsito intestinal, 6 fezes mais moles, 3 aumento do apetite, 2 dispepsia e 2 refluxo gastroesofágico (19). FBU apresenta alto teor de polifenóis e fibra alimentar não solúvel, resistente à digestão por enzimas gastrointestinais humanas. Este fato pode ter contribuído para os efeitos colaterais observados. Além disso, os polifenóis, como as proantocianidinas, quando parcialmente fermentados pela microflora bacteriana, podem gerar gases intestinais. Estudos adicionais são necessários para testar esta hipótese (19). Embora o consumo de FBU tenha demonstrado efeitos benéficos em humanos, como descrito nos estudos anteriores incluídos nesta revisão, os autores destacam que houveram algumas limitações tais como: o baixo número de participantes, que conseguiram terminar o protocolo, o viés que pode ter ocorrido devido ao âmbito aberto dos protocolos, às diferenças de ingestão calórica e composição alimentar de cada participante que influenciam os resultados finais mencionados acima (19, 20), fatos que reforçam a necessidade de desenvolver novos estudos que envolvam um maior número de participantes e investigar as diferentes características, como diabetes e doenças cardiovasculares em humanos, a fim de compreender melhor os potenciais efeitos da suplementação de FBU.

Aplicações da farinha de bagaço de uva na indústria alimentar

Em 2014, Walker et al (22) liderarm um estudo para avaliar os efeitos da fortificação de produtos assados, incluindo pães, muffins e brownies com farinha de bagaço de uva Ponit Noir (FBUPN) ou Pinot Grigio (FBUPG) na faixa de concentração de 5-20%. FBUPN e FBUPG substituíram a farinha de trigo na concentração de 5%, 10% e 15% para pão, 10%, 15%, 20% e 25% FBUPN para brownies e 5%, 10% e 15% FBUPN ou 10 %, 15% e 20% FBUPG para muffins. Os produtos finais foram então avaliados quanto ao teor de fenólicos totais, atividade de eliminação de radicais, teor de fibra alimentares e propriedades físico-químicas e sensoriais. Para a avaliação sensorial, os participantes receberam duas amostras de cada produto assado e avaliaram a semelhança dos parâmetros estabelecidos em uma escala hedônica de 9 pontos. As análises das propriedades físico-químicas e dos compostos bioativos foram realizadas de acordo com a metodologia estabelecida para cada parâmetro. Em relação às características físico-químicas e sensoriais, tanto pães e muffins (5% ou 10% FBU) quanto brownies (15% FBUPN) mostraram-se aceitáveis e aceitos pelos consumidores quando comparados ao controlo. Sobre a composição bioativa, pode-se observar que o teor de fenólicos totais e a atividade sequestrante de radicais dos pães aumentaram à medida que o percentual de FBU aumentou. Para os pães e muffins, o teor de fenólicos totais seguiu a mesma tendência que o aumento de FBU foi apresentado, exceto que as amostras de FBUPG que apresentaram valores de eliminação de radicais significativamente menores quando comparadas às de FBUPN. Da mesma forma, a atividade de eliminação de radicais em brownies só foi significativamente maior em amostras fortificadas com 10 e 25% de FBUPN. Em geral, pães e muffins fortificados com 10% de FBUPN aumentaram seu conteúdo fenólico total e atividade sequestrante de radicais em 5,86% e 194,38%, e 176,42% e 1144,87%, respetivamente, em relação ao controlo. Quanto ao teor de fibra alimentar, houve uma tendência de aumento à medida que o percentual de GPF aumentou também. Pães e muffins fortificados com 10% FBUPN aumentaram seu conteúdo em 31,61% e 15,02%, respetivamente, quando comparados ao controlo. Na fortificação de 15% FBUPN, os brownies tiveram um aumento de 6,94% no teor de fibra alimentar. Por fim, a aceitação do consumidor do produto de panificação fortificado com FBUPN demonstrou que os pães de 5 e 10% apresentaram menor classificação para sensação na boca, o que sugere que essas amostras ficaram mais secas, de acordo com os valores de atividade da água e retenção avaliadas. Em relação às amostras de muffins, a formulação de 5% apresentou a cor mais aceitável comparativamente às percentagens de 10% e do controlo. Quanto à classificação de preferência pelo aroma, os muffins 5% FBUPN apresentaram as maiores pontuações das amostras fortificadas, enquanto o mais apreciado foi o controlo. Para os brownies, a amostra menos apreciada relativamente à textura foi o de 20% FBUPN, que segundo os provadores, apresentou uma elevada granulometria, o que interferiu neste atributo.

Ortega-Heras et al. 2019 (23) avaliou a adequação dos atributos sensoriais, das propriedades nutricionais, da cor e da textura de muffins fortificados com FBU tinta (FBUT) e branca (FBUB). Para isso, foram analisadas cinco formulações de muffins: um muffin controlo composto por 100% de farinha de trigo integral e muffins elaborados com 10 e 20% de FBUT ou FBUB (sem sementes). Para a análise sensorial, os participantes receberam um muffin de cada formulação e foram solicitados a indicar o grau de preferência por meio de uma escala hedónica de 9 pontos, variando de “desgostei extremamente” a “gostei extremamente”. Os atributos avaliados foram: cor da superfície, cor do miolo, doçura, dureza, esponjosidade e sabor, utilizando uma escala bipolar de 5 pontos. Além disso, foram avaliadas a composição nutricional, aumento de altura e perda de peso, análise do perfil de cor e textura dos muffins. Os resultados, em termos da composição nutricional, observou-se que os muffins fortificados com FBU apresentaram maior teor de fibra, que variou de 5.67 ± 0.44 na formulação controlo para 9.56 ± 0.55 e 11.9 ± 0.3 nas formulações FBUB 10 e 20%, respectivamente e 8.24 ± 0.64 e 11.2 ± 0.7 nas formulações FUBT 10 e 20%, respectivamente, e gordura que variou de 26.7 ± 2 nos muffins controlo para 31.0 ± 3.9 e 32.4 ± 1.2 no FBUB 10 e 20%, respectivamente e 33.3 ± 1.9 e 33.8 ± 1.1 nas formulações 10 e 20% da FBUT, enquanto os muffins controlo apresentaram o maior aumento de altura (23.0 ± 2.6) e os muffins fortificados 20% apresentaram os maiores escores de perda de peso (14.8 ± 1.7 para FBUB e 13.8 ± 1.4 para FBUT). Em relação aos parâmetros de cor e textura, os muffins elaborados com FBU foram mais escuros e firmes quando comparados ao muffin controlo. Além disso, a adição de FBU resultou num aumento da mastigabilidade (de 3.08 ± 1.02 quando nos muffins controlo e 9.10 ± 5.88 nos fortificados com FBUB 20%) e uma diminuição da resiliência à medida que a percentagem de FBU aumentou (sendo 0.224 ± 0.006 na FBUB 10%,
0.194 ± 0.014 na FBUB 20%, 0.225 ± 0.018 FBUT na 10% e 0.197 ± 0.033 FBUT na 20%).
Por fim, as concentrações de 20% de FBU sofreram uma redução significativa da elasticidade dos muffins (de 0.609 ± 0.009 na FBUB 10% para 0.541 ± 0.014 na FBUB 20% e 0.604 ± 0.015 na FBUT 10% para 0.561 ± 0.081 na FBUT 20%). Após a análise sensorial, os autores observaram que o muffin mais apreciado foi o controlo (7.05 ± 1.11), seguido da formulação a 10% de FBUT ou FBUB (6.34 ± 1.29 e 6.24 ± 1.42, respectivamente). As análises organolépticas mostraram que os muffins fortificados tinham “muito mais” cor e sabor, principalmente na formulação com FBUT 20% (41% e 29%). De acordo com a perceção de doçura, pode-se observar que as formulações de FBUB apresentaram piores resultados.

Em 2019, Cilli et al. (24) avaliaram o potencial antioxidante da FBU num hambúrguer de salmão congelado. Nesse sentido, foram recrutados voluntários para participar numa avaliação sensorial na qual receberam aproximadamente 10 g de três hambúrgueres com diferentes formulações: o controlo, e 1 ou 2% de incorporação de FBU que foram avaliados em termos da cor, odor, sabor, textura, aparência e qualidade geral, usando uma escala hedónica verbal de 9 pontos. Os participantes foram também convidados a dar sua opinião sobre a intenção de compra usando uma escala de 5 pontos. Os autores analisaram também o teor de TBARS e a citotoxicidade in vitro da FBU de acordo com a metodologia aceite na literatura. Em termos de citotoxicidade, a FBU apresentou boa citocompatibilidade quando exposto a células de fibroblastos de camundongo, exercendo efeitos citotóxicos apenas com 800 mg de FBU/ml, o que significa que as formulações com incorporações de 1 e 2% de hambúrgueres são seguras, pois representam 100 e 200 mg de FBU/ml, respetivamente. A composição centesimal dos hambúrgueres mostrou que a adição de FBU melhorou o teor de fibra alimentar de 4,60 na formulação controle para 4,90 e 5,20 nos hambúrgueres suplementados, respectivamentee o escurecimento que foi avaliada pela diminuição da luminosidade, de 70,77 ± 0,47 na amostra controle para 66,29 ± 0,46 em 100mg e 63,08 ± 0,32 em 200mg de suplementação de GPF/ml. Quanto à avaliação sensorial dos hambúrgueres de salmão, os autores observaram que a incorporação com FBU foi menos apreciada pela aparência de 7,75 ± 0,12 no controle para 6,55 ± 0,15 e 6,20 ± 0,18 no suplementado, de 7,73 ± 0,12 para 6,57 ± 0,15 e 6,25 ± 0,18 de cor, e qualidade geral dos hambúrgueres de salmão de 7,79 ± 0,10 a 7,12 ± 0,14 e 6,85 ± 0,16 em relação ao controle negativo. No geral, a formulação de hambúrguer com 1% GPF foi mais aceita pelos consumidores e apresentou maior intenção de compra, representando 23,64% dos participantes que certamente comprariam, quando comparada com as amostras de 2% (20,91%). Por fim, os autores constataram que, durante o armazenamento, a incorporação de FBU originou uma diminuição do teor de TBARS, sem comprometer negativamente as características nutricionais ou microbiológicas.

Em 2020, Palma et al. (5) realizaram uma avaliação sensorial de biscoitos salgados fortificados com FBU nas percentagens de 5 e 10%. Os participantes receberam cinco formulações diferentes de biscoitos: farinha da variedade Arinto e Touriga Nacional (5 e 10% da quantidade de farinha de trigo), e um controlo da mesma formulação sem FBU. Os atributos avaliados pelos voluntários foram: cor, aroma, sabor, textura e impressão global utilizando uma escala hedónica de 5 pontos. Foi ainda avaliada a intenção de compra parametrizada de acordo com uma escala de 5 pontos. Foi também solicitado aos participantes que escolhessem qual dos biscoitos “mais gostam” e de qual “menos gostam”. No final da avaliação sensorial, os autores puderam observar que o biscoito Arinto 10% apresentou as maiores pontuações na cor, o que representou 4,32 pontos, 3,72 em aroma, 4,32 em sabor, 3,92 em textura, 4.32 de apreciação global e 4,32 de intenção de compra quando comparado aos restantes biscoitos, embora nenhum desses resultados tenha sido estatisticamente significativo. Adicionalmente, observou-se que as formulações com menores percentagens de FBU foram as menos apreciadas pelos participantes (Arinto 5% e Touriga Nacional 5%, representando 30,20% e 41,50% dos participantes, respectivamente). Por fim, a questão de escolha dos biscoitos mais e menos apreciada resultou num maior número de votos para a Touriga Nacional 10% como o biscoito “mais apreciado” que representou 39,60% dos participantes e a Touriga Nacional 5% como o “menos apreciado”, representando 41,50%.

Da mesma forma, em 2021, Palma et al. (25) teve como objetivo avaliar a aceitabilidade de biscoitos doces fortificados com FBU Arinto ou Touriga Nacional, com uma maior percentagem de incorporação e com maior abrangência de voluntários do que o trabalho anterior. Os participantes receberam cinco biscoitos com diferentes formulações: FBU da casta Arinto e FBU da casta Touriga Nacional nas incorporações de 15 e 20% e biscoitos controlo sem suplementação de FBU. Os testes foram realizados em dois dias diferentes e os participantes receberam um questionário para avaliar os parâmetros como a cor, sabor, textura, aroma e impressão geral, intenção de compra e preferência, no qual os participantes foram solicitados a classificar os biscoitos como “mais gostei”, “gostei mais ou menos” e “menos gostei”. Neste estudo, as maiores pontuações foram atribuídas ao biscoito controlo. Enquanto isso, ambas as formulações de FBU Touriga Nacional apresentaram uma menor pontuação relacionada com a cor e sabor, pontuando 3,83 de 5, contudo apresentaram as maiores pontuações de textura. De acordo com a intenção de compra, as maiores percentagens foram atribuídas às incorporações da FBU Arinto de 15 e 20%, representando 32,1%, cada, e os biscoitos com menor intenção de compra foram os da formulação controlo, sendo que 6,4% dos participantes informaram que certamente não comprariam. Por fim, as preferências de escolha demonstraram que o biscoito mais apreciado foi o controlo, e entre os biscoitos fortificados, as pontuações mais elevadas foram os da FBU Touriga Nacional 15 e 20% seguida da FBU Arinto 20 e 15%.

De acordo com os estudos mencionados anteriormente, pode-se verificar que diferentes percentagens de incorporação de FBU em diferentes produtos de panificação (salgados e doces) e hambúrguer demonstraram uma preferência heterogénea entre as amostras controlo ou fortificadas. Em geral, a adição de FBU interfere nas características organolépticas como a cor, já que, o produto final tende a ser mais escuro à medida que a percentagem de farinha aumenta de acordo com a característica da casta da uva utilizada, o que faz com que adquira uma coloração roxo escuro a vermelha quando fortificada com FBUT e uma cor amarela a marrom quando adicionadas as farinhas FBUB. A capacidade da FBU de influenciar na cor dos produtos representa um atributo benéfico, pois, segundo a literatura, os consumidores tendem a associar os produtos mais escuros aos mais saudáveis, sendo estes a escolha preferencial na busca por um alimento funcional (22). Além disso, a FBU apresentou maior teor de fibra alimentar quando comparado às formulações controlo investigadas nos estudos citados anteriormente, aumentando de acordo com a percentagem de FBU usada. De acordo com a literatura, a ingestão de fibras alimentares está associada à diminuição do risco de doenças cardiovasculares (26) e outras doenças crónicas, além de uma associação com menor peso corporal, o que representa benefícios para a saúde (27).

Além disso, as análises de composição química demonstraram que as FBU são ricas em compostos bioativos, pois as suas concentrações foram geralmente superiores às encontradas nas formulações controlo. Quanto aos produtos finais, a composição fenólica tende a aumentar à medida que a percentagem de FBU aumenta. Outra característica dos produtos de panificação fortificados é a dureza e a mastigabilidade, para as quais os participantes indicaram que as amostras fortificadas apresentavam uma textura mais seca, o que pode ser explicado pela menor atividade de água e retenção de água das farinhas, que resulta numa hidratação incompleta que pode estar relacionada com uma textura mais dura (22).

Por fim, os autores observaram que alguns dos produtos de panificação fortificados apresentaram pontuações mais baixas do que as amostras controlo, ao analisar características isoladas como a cor e textura. No entanto as mesmas amostras poderiam atingir valores mais elevados de intenção de compra ou preferência. De acordo com a literatura, pode ser explicado devido aos consumidores nem sempre responderem às questões “gostei e desgostei” da mesma forma que as específicas devido à influência emocional (5,25). Nesse sentido, realça-se a necessidade de avaliar a mesma formulação com métodos diferentes e serem necessários novos estudos com diferentes percentagens de incorporação de FBU e um maior numero de voluntários cuja compreensão seja melhor acerca da introdução destes produtos como alimento funcional.

Conclusão

A FBU é um subproduto da indústria do vinho que representa uma fonte valiosa de importantes nutrientes com atividades promotoras de saúde, como antioxidante, cardioprotetora e anti-hiperglicêmica. Além disso, representa uma alternativa ao descarte inadequado de BU, que pode acarretar em problemas ambientais. Evidências recentes demonstram que esse subproduto pode desempenhar um efeito importante na otimização dos benefícios à saúde e na minimização de possíveis marcadores negativos de saúde. Além disso, a incorporação de FBU rico em fibras em diferentes receitas resulta em maior valor nutricional e propriedades sensoriais do produto final. Embora existam estudos pré-clínicos e clínicos observando que alguns mecanismos desempenhados por sua composição química podem atuar como cardio e neuroprotetores, mais investigações sobre os alvos e vias pelas quais os efeitos da FBU podem atuar para melhorar a saúde e a qualidade nutricional dos alimentos são necessárias para entender melhor sua interação molecular em parâmetros bioquímicos sistêmicos e vida de prateleira de alimentos e características sensoriais.

Declaração sobre as contribuições do autor

RCP - desenho do estudo, análise de dados, redação; PP - supervisão, revisão; MN- supervisão, revisão; MLP - supervisão, revisão; RGT - desenho do estudo, supervisão, revisão final

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não há relação financeira ou pessoal que possa apresentar um potencial conflito de interesses.

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