Ciências Biomédicas, Biomed Biopharm Res., 2022; 19(2):355-360
doi: 10.19277/bbr.19.2.292; versão pdf aqui [+] ; versão inglês html [EN]
Síndrome Anticorpos Antifosfolipídeos (Caso clínico)
Bruno Sousa 1,2,3
1School of Sciences and Health Technologies, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugal
2CBIOS – Universidade Lusófona's Research Center for Biosciences and Health Technologies, Lisboa, Portugal
3Health Service of Autonomous Region of Madeira, Madeira, Portugal
autor para correspondência: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Mulher de 40 anos, desempregada. Procurou a Consulta de Nutrição para controlo nutricional, pois fazia terapêutica anticoagulante oral. Sem outras patologias que necessitem de terapêutica nutricional, mas pretendia perder um pouco de peso.
É acompanhada na Consulta de Trombofilias por Síndrome Anticorpos Antifosfolipídeos (SAAF) por mutação do gene da protrombina em heterozigotia. Faz anticoagulação oral com varfarina e controlo do INR (International Normalized Ratio).
Palavras-chave: International Normalized Ratio, intervenção nutricional, vitamina K, Síndrome Anticorpos Antifosfolipídeos, varfarin
Recebido: 11/08/2022; Aceite: 30/10/2022
Avaliação antropométrica
Peso: 58,6 kg
Estatura: 157 cm
IMC: 23,8 kg/m2
Perímetro da cintura: 76 cm
Avaliação da composição corporal (TANITA TBF 300®)
Gordura corporal: 27,5%
Massa gorda: 16,1 kg
Massa isenta de gordura: 42,5 kg
Água corporal total: 31,1 kg
Parâmetros analíticos
Hematologia
Leucócitos: 4,9 10^3/μL (4,2 – 10,8)
Eritrócitos: 4,83 10^6/μL (3,91 – 5,07)
Hemoglobina: 13,3 g/dL (11,9 – 14,9)
Hematócrito: 38,9% (34,0 – 44,0)
Plaquetas: 226,0 10^3/μL (144 – 440)
Tempo de protrombina: 31,0 seg (9,4-12,5)
INR: 2,62 (0,9-1,2)
PTT seg: 43 seg (25-37)
Fibrinogénio: 217,0 mg/dl (200,0 – 393,0)
Antic. Lúpico – Ratio: 0,99 (<=1,20)
Tempo de Coagulação da Sílica – Ratio: 0,99 (<=1,16)
Bioquímica
Glicose: 96 mg/dL (74,0 – 106,0)
Ureia:17 mg/dL (16,6 – 48,5)
Creatinina: 0,61 mg/dL (0,50 – 0,90)
Sódio: 138,0 mEq/L (136 – 145)
Potássio: 3,90 mEq/L (3,5 – 5,10)
Cloro: 102,0 mEq/L (98 – 107)
Colesterol total: 178 mg/dL (<200,0)
Colesterol HDL: 56,0 mg/dL (>45,0)
Colesterol LDL: 99,4 mg/dL (<100,0)
Triglicéridos: 113,0 mg/dL (<150,0)
Alanina Aminotransferase: 16,9 U/L (<=33,0)
Aspartato Aminotransferase: 15,0 U/L (<=32)
Gamaglutamiltransferase: 6,0 U/L (5,0 – 36,0)
Imunologia
Anticorpos Anti-nucleares (ANA): Negativo
Screen ENA’s: 0,3 (<10)
Ac. Anti-dsDNA, IgG: 0,0 GPL/mL (<10)
Ac. Anti-cardiolipinas, IgG: 0,0 GPL/mL (<10)
Ac. Anti-cardiolipinas, IgM: 7,0 MPL/mL (<10)
Ac. Anti-Beta-2 Glicoproteína I, IgG: 0,0 UA/mL (<10)
Ac. Anti-Beta-2 Glicoproteína I, IgM: 11,4 UA/mL (<10)
Avaliação clínica
Antecedentes pessoais
- SAAF
- Mutação do gene da protrombina em heterozigotia
- Abortos de repetição (morte fetal no 2º trimestre +
aborto à 6ª semana de gestação)
- Tem um filho com 9 anos de idade e outro com 4 meses
Medicação
Varfarina (variável – em função do INR)
Trânsito intestinal: regular
Hábitos alimentares
Acorda às 8h
Pequeno-almoço: Não faz
Almoço: 14h
Prato: Meio prato de arroz branco ou massa + carne ou peixe (120g) + vegetais (cerca de 100g)
Sobremesa: 1 peça de fruta média
Bebe água
Lanche da tarde: 17h
1 peça de fruta média
1 iogurte natural ou aroma
4 colheres de sopa de flocos de aveia
Jantar: 20h30
Idêntico ao almoço
Deita-se às 23h
Consumo de água: cerca de 1,5 L por dia
Hábitos etílicos: Consumo esporádico em festas
Hábitos tabágicos: Não fuma
Ambiente, comportamento e social
É casada e vive com o marido e os dois filhos.
Passa a maior parte do tempo em casa, onde realiza a maioria das suas refeições, mas refere que faz alguns convívios sendo aqui a oferta alimentar mais diversificada. Aos fins-de-semana faz algumas refeições em restaurantes.
Gosta de doces e refere ter cuidado com a confeção dos alimentos, optando por uma confecção saudável.
Apresenta uma atividade sedentária, embora faça algumas caminhadas, mas não por rotina.
Questões
1. O que é o Síndrome Anticorpos Antifosfolipídeos?
2. Qual é o tratamento do Síndrome Anticorpos Antifosfolipídeos?
3. Nestes casos em que a terapêutica é a varfarina, deve ser feita uma restrição da ingestão de alimentos ricos em vitamina K?
4. Qual é o papel do Nutricionista nestes doentes que têm como terapêutica a varfarina?
5. Na intervenção nutricional deste síndrome é importante uma dieta rica em cálcio?
Reconhecimentos
O autor deseja expressar o seu agradecimentos à paciente que permitiu a elaboração do estudo de caso.
Conflito de interesses
O autor declarou não haver relações financeiras e pessoais que possam representar potencial conflito de interesses.
Respostas
1. É uma doença autoimune causada por autoanticorpos direcionados contra uma ou mais proteínas ligadas a fosfolipídeos: anticoagulante lúpico, anti-cardiolipina ou beta-2 glicoproteína I. As manifestações clínica mais frequentes incluem trombose venosa profunda dos membros inferiores, embolia pulmonar, abortos espontâneos precoces e tardios, características clínicas de artrite, e enxaqueca.
2. Para a profilaxia e o tratamento é utilizada a anticoagulação: heparina, varfarina (excepto em grávidas) ou antiagregação: ácido acetilsalicílico. A escolha da terapêutica depende das manifestações clínicas e do tipo de anticorpos e da morbilidade obstétrica.
3. Nestes casos, o consumo de alimentos particularmente ricos em vitamina K não está desautorizado mas deve ser moderado, sendo que aqui o fundamental é conservar um regime alimentar equilibrado e constante no tempo, não havendo necessidade de restrições severas.
Naqueles doentes que apresentam outras patologias que necessitam de terapêutica alimentar e que beneficiam de um aumento do consumo de hortofrutícolas, não há justificação para a sua restrição, pois o seu consumo é importante para o tratamento da doença e para evitar carências em micronutrientes, sem influenciar o controlo da hipocoagulação.
4. O Nutricionista é muito importante nestas situações e deverá ter um papel muito ativo no acompanhamento dos doentes desde o início da instituição desta terapêutica. A sua intervenção passa pela educação alimentar e pela indicação da alimentação adequada, com um conteúdo regular e diário de fornecedores de vitamina K, contornar o efeito da sazonalidade, e assim contribuir para uma melhor estabilidade da terapia anticoagulante.
5. Uma dieta rica em cálcio é também importante, uma vez que estes doentes sob efeito de heparina ou varfarina têm maior risco de osteoporose ou osteopenia.
Referências
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