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Biopharmaceutical SciencesBiomed Biopharm Res., 2021; 18(2):238-251

doi: 10.19277/bbr.18.2.267;  [+] versão PDF aqui; [+] versão inglês html aqui

 

Ativadores de superfície únicos versus mistos em transferossomas para veicular cafeína: avaliação físico-química e de citotoxicidade

Íris Guerreiro 1, 2 #, Marta Rodrigues 3 #, Ana Sofia Fernandes 1, Catarina Rosado 1, Catarina Pereira-Leite 1, 4 *

1CBIOS – Universidade Lusófona’s Research Center for Biosciences & Health Technologies, Av Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal; 2Department of Biomedical Sciences, University of Alcalá, Ctra. Madrid-Barcelona Km. 33.600, 28871 Alcalá de Henares, Madrid, Spain; 3Escola de Psicologia e Ciências da Vida, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Av Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal; 4LAQV, REQUIMTE, Departamento de Ciências Químicas, Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Rua de Jorge Viterbo Ferreira 228, 4050-313 Porto, Portugal

# These authors contributed equally to this work.

*autor para correspondênciaEste endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

 

Resumo

O desempenho dos transferossomas como sistemas nanovesiculares para melhorar a permeação cutânea de compostos bioativos pode ser modulado de acordo com a sua composição em ativadores de superfície (EAs). Segundo a literatura, o tamanho, a deformabilidade e a eficiência de encapsulação destas vesículas dependem do equilíbrio hidrofílico-lipofílico (HLB) dos tensioativos não-iónicos usados como EAs. Assim, este trabalho teve como objetivo avaliar o impacto nas propriedades físico-químicas e no perfil de citotoxicidade in vitro de formulações transferossomais constituídas por EAs únicos ou mistos, com valores de HLB opostos. Os transferossomas obtidos com tensioativos não-iónicos únicos ou mistos (Tween® 80 e/ou Span® 80) foram preparados na presença e ausência de cafeína, utilizada como composto modelo hidrofílico. Os transferossomas preparados, independentemente da sua composição em EAs, apresentaram propriedades físico-químicas promissoras para aplicações cutâneas, sendo estáveis durante 1 mês sob armazenamento refrigerado. Além disso, todas as formulações transferossomais foram compatíveis com uma linha celular de queratinócitos após tratamento por 24 h. No conjunto, estes dados preliminares sugerem que a utilização de tensioativos não-iónicos mistos como EAs poderá ser mais explorada para modular o desempenho dos transferossomas como promotores da permeação cutânea.

 

 

Palavras-chave: Sistemas vesiculares; nanotecnologia; tensioativos não-iónicos; cafeína

Recebido: 23/10/2021; Aceite: 08/12/2021

 

 
 

Introdução

A pele é uma barreira altamente eficaz contra o ambiente externo, controlando a penetração de xenobióticos e de microrganismos para manter a homeostase. A camada mais externa da epiderme é o estrato córneo (SC), constituído por uma matriz de camadas de corneócitos achatados, extracelularmente rodeados por múltiplas bicamadas lipídicas (1,2). A estrutura única do SC está na base da sua função primária - funcionar como barreira cutânea, razão pela qual apenas uma gama limitada de substâncias pode permear através da pele, tais como substâncias com baixo peso molecular (<500 Da), lipofilia relativa (log P 1-3) e solubilidade em água (3). Assim, o número de agentes terapêuticos que são passíveis de administração transdérmica é limitado, o que tem desencadeado o desenvolvimento de vários sistemas vesiculares para melhorar a permeação cutânea de compostos bioativos, tais como lipossomas, etossomas, niossomas e transferossomas (3-6).

Os transferossomas são vesículas altamente elásticas e deformáveis, razão pela qual parecem ser os sistemas vesiculares mais vantajosos para promover a permeação cutânea (4,5). Foram introduzidos por Cevc e Blume (7) e são compostos por fosfolípidos intercalados com ativadores de superfície (EAs) (4,5). A incorporação de EAs na formulação está na origem da sua característica mais importante - a ultra-deformabilidade, uma vez que os EAs atuam como destabilizadores da camada fosfolipídica ao reduzir a tensão interfacial (8). A ultra-elasticidade dos transferossomas permite-lhes deformar e permear através de poros cutâneos 5 a 10 vezes menores do que o seu tamanho sem perder a sua estrutura (3), sendo capazes de transportar compostos bioativos para as camadas cutâneas mais profundas. Os transferossomas podem veicular moléculas hidro- ou lipofílicas com uma vasta gama de pesos moleculares (200-106 Da). Por isso, têm vindo a ser explorados para encapsular diversos agentes terapêuticos, tais como compostos antioxidantes, anticancerígenos, anti-inflamatórios, analgésicos, anestésicos, antidiabéticos e antimicrobianos (5).

O desempenho dos transferossomas como promotores de permeação de compostos bioativos depende da relação fosfolípido:EA e do EA escolhido (4,5). Vários EAs têm sido explorados para preparar transferossomas, em particular, tensioativos não-iónicos (Tween® 80 e Span® 80) e ácidos biliares (desoxicolato de sódio e colato de sódio) (9-12). A escolha da relação fosfolípido:EA é crucial para controlar o tamanho da vesícula e a sua capacidade de carga, tal como foi recentemente revisto (4,5). De facto, este parâmetro deve ser otimizado, de preferência por estratégias de quality-by-design, uma vez que quantidades excessivas de EA (> 15%) podem causar transições vesícula-micela (11). Além disso, a seleção do EA para preparar transferossomas é também um fator-chave para modular o tamanho da vesícula e a sua eficiência de encapsulação. Considerando os tensioativos não-iónicos, os compostos hidrofílicos podem ser encapsulados de forma mais eficiente utilizando tensioativos com elevado equilíbrio hidrofílico-lipofílico (HLB), enquanto os tensioativos com valores baixos de HLB parecem encapsular melhor moléculas lipofílicas (5). Além disso, quanto mais baixo o HLB dos tensioativos não-iónicos, maior será o tamanho da vesícula (9) e menor a sua deformabilidade (10), o que pode reduzir a permeação cutânea do composto veiculado. No conjunto, estes dados indicam que a modulação dos valores de HLB através da utilização de misturas de EAs pode ser uma estratégia valiosa para otimizar o desempenho dos transferossomas.

Neste contexto, este estudo preliminar tem como objetivo avaliar o impacto nas propriedades físico-químicas e no perfil de citotoxicidade in vitro de transferossomas constituídos por EAs únicos ou mistos, com valores opostos de HLB. Uma formulação pré-otimizada, utilizando uma abordagem de quality-by-design, constituída por Tween® 80 (HLB=15) foi o ponto de partida para este trabalho (13), sendo o EA substituído e/ou misturado com Span® 80 (HLB=4,3) no presente estudo. A cafeína foi o composto bioativo escolhido para ser encapsulado nos transferossomas preparados, uma vez que tem sido amplamente utilizada como composto modelo hidrofílico em estudos de segurança dérmica (14). Mais ainda, as propriedades antioxidantes e lipolíticas da cafeína apoiam o seu uso extensivo em formulações para aplicação cutânea (15). Segundo temos conhecimento, este é o primeiro trabalho quanto à caracterização físico-química e à avaliação in vitro da citotoxicidade de transferossomas constituídos por EAs mistos com valores de HLB opostos para veicular a cafeína

Materiais e Métodos

Materiais

A cafeína foi obtida a partir da Fagron Ibérica (Terrassa, Espanha), enquanto a lecitina da soja foi adquirida na Alfa Aesar (Kandel, Alemanha). O Tween® 80, o cloreto de potássio, o fosfato monobásico de potássio, o MTT (brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazólio) e a tripsina foram obtidos a partir da Sigma-Aldrich (Saint Louis, MO, EUA). O Span® 80 e o DMSO (dimetilsulfóxido) foram adquiridos na Merck (Darmstadt, Alemanha). O clorofórmio e o hidrogenofosfato dissódico di-hidratado foram adquiridos na Scharlab S.L. (Sentmenat, Espanha), enquanto o metanol foi obtido a partir da Carlo Erba Reagenti SpA (Rodano, Itália). O SephadexTM G-25 médio foi adquirido na GE Healthcare Bio-sciences AB (Uppsala, Suécia). O cloreto de sódio foi obtido a partir da José M. Vaz Pereira, SA (Benavente, Portugal). O DMEM (Dulbecco's Modified Eagle Medium) e o FBS (soro bovino fetal) foram adquiridos na Biowest (Nuaillé, França). A penicilina-estreptomicina (pen/strep) foi obtida a partir da Grisp (Porto, Portugal). O tampão fosfato (PBS) a pH 7,4 foi preparado como descrito anteriormente (13).

Preparação dos transferossomas

O método de hidratação do filme lipídico seguido de sonicação foi utilizado para preparar transferossomas, tal como descrito anteriormente (13). Foram preparadas sete formulações, com ou sem cafeína, constituídas por lecitina (PC) e Tween® 80 e/ou Span® 80 como EAs, tal como descrito na Tabela 1.

Os filmes compostos por EA e PC foram obtidos através da dissolução destes compostos em clorofórmio:metanol (3:1, v/v) seguida da evaporação dos solventes utilizando o evaporador rotativo VV2000/VB2000 (Heidolph Instruments, Schwabach, Alemanha) a 40 °C, 90 rpm, durante 30 min. Os vestígios de solventes orgânicos foram ainda removidos sob vácuo durante 2 h. As formulações transferossomais foram obtidas, de seguida, através da hidratação dos filmes obtidos anteriormente com tampão PBS ou uma solução tamponada de cafeína (1% (m/v)), seguida de agitação vigorosa. Por fim, as formulações foram sonicadas durante 10 min (50% de amplitude), utilizando o sonicador Q125 (QSonica Sonicators, Newtown, CT, EUA).

Caraterização dos transferossomas

Imediatamente após a preparação, os transferossomas foram caracterizados quanto ao seu diâmetro hidrodinâmico (Dh), índice de polidispersão (PDI), eficiência de encapsulação (EE), e capacidade de carga (LC). Os resultados foram obtidos a partir da análise em triplicado de cada formulação e estão representados como média ± desvio padrão (SD).

Os valores de Dh e PDI das formulações transferossomais foram determinados por medições espectroscopia de correlação fotónica (equipamento DelsaTM Nano C, Beckman Coulter, Inc., CA, EUA) à temperatura ambiente (25 ± 2 °C). Antes das medições, cada formulação foi diluída com água destilada (1:20).

A EE e LC dos transferossomas foram analisadas utilizando uma abordagem indireta, através da determinação da fração não encapsulada de cafeína utilizando a cromatografia de exclusão de tamanho, tal como anteriormente descrito com algumas modificações (13). O SephadexTM G-25 médio foi utilizado como fase estacionária e o PBS como fase móvel para eludir uma alíquota de 500 μl de cada formulação. Após a eluição das frações com cafeína encapsulada (confirmada por análise visual), a fração não encapsulada de cafeína foi recolhida durante 30 min e o volume recolhido foi registado para ser considerado no cálculo do fator de diluição (volume recolhido/500 μl).

A concentração de cafeína na fração não encapsulada foi determinada por espectroscopia UV-Vis (Evolution® 300, Thermo Scientific, Hertfordshire, Inglaterra), utilizando um método de curva de calibração e considerando o fator de diluição. Para determinar a curva de calibração da cafeína, seis soluções de cafeína em PBS foram preparadas numa gama de concentração de 0-25 µg/ml. O espectro de absorção (200-350 nm, 600 nm/min) de cada solução foi obtido por espectroscopia UV/Vis (espectrofotómetro Evolution® 300, Thermo Scientific, Hertfordshire, Inglaterra). A curva de calibração da cafeína (y=0,0539x-0,0077, R2=0,9991) foi então determinada, considerando a absorvência da cafeína no comprimento de onda máximo de absorção (273 nm) em função da concentração de cafeína (µg/ml).

Os valores de EE e LC, apresentados em percentagem (%), foram calculados de acordo com as Equações 1 e 2, respetivamente:

onde CT representa a concentração total de cafeína, CNE a concentração de cafeína não-encapsulada, e CL a concentração total de PC.

Estudos de estabilidade

As formulações foram armazenadas a 5 ± 2 °C durante 2 meses e a estabilidade dos valores de Dh e PDI dos transferossomas foi avaliada em diferentes momentos (Dia 23, 30 e 60) em comparação com os valores obtidos com as formulações no dia da preparação (Dia 0). Estes parâmetros foram avaliados tal como especificado na seção anterior.

Avaliação in vitro da citotoxicidade

Foram efetuados estudos de viabilidade celular utilizando a linha celular HaCat, representativa de queratinócitos humanos, que foi cultivada em DMEM, suplementada com 10% FBS e 1% pen/strep e mantida a 37 °C sob atmosfera de ar humidificado com 5% de CO2.

O método de redução MTT foi utilizado para avaliar a citotoxicidade das formulações transferossomais, tal como especificado em publicações anteriores (16,17). Em resumo, as células HaCat foram semeadas (6x103 células/poço, 200 µl de DMEM suplementado) em placas de 96 poços e foram incubadas durante 24 h. Depois disso, as células foram tratadas durante 24 h com: a) soluções controlo, nomeadamente PBS ou DMSO (5%, v/v) como controlo negativo e positivo (respetivamente); b) cada formulação transferossomal após diluições de 1:100 e 1:200 em PBS, correspondendo a concentrações de cafeína de 515,7 e 257,9 µM (respetivamente); e c) soluções tamponadas de cada componente individual das formulações, considerando a composição quantitativa das formulações e os fatores de diluição aplicados. Posteriormente, as células foram lavadas com PBS e adicionaram-se 200 µl de solução de MTT (0,5 mg/ml) em DMEM suplementado a cada poço, seguido de um período de incubação de 4 h. Após outra etapa de lavagem com PBS, adicionaram-se 200 µl de DMSO a cada poço para dissolver os cristais de formazan. Finalmente, os valores de absorvência, a 595 nm, foram analisados em cada poço utilizando o fotómetro de microplaca Thermo ScientificTM MultiskanTM FC. A absorvência obtida com as células tratadas com PBS foi utilizada como referência, representando 100% de viabilidade celular. Os resultados foram obtidos a partir de quadruplicados de cada condição, em dois ensaios independentes, e são apresentados como média ± SD.

Análise estatística

Todos os dados foram analisados estatisticamente usando o GraphPad Prism 8.0.2 (GraphPad Software, San Diego, Califórnia EUA). Os dados de caraterização físico-química e de viabilidade celular foram analisados através de teste de análise de variância unilateral (One-way ANOVA), seguido por comparação múltipla de Turkey ou Dunnett (respetivamente). Os resultados relativos aos estudos de estabilidade foram analisados através do teste de análise de variância bilateral (ANOVA bidirecional), seguido de comparação múltipla de Tukey. As diferenças foram consideradas como estatisticamente significativas para valores de p inferiores a 0,05 (p<0,05).

Resultados e Discussão

Caraterização das formulações transferossomais

O impacto da utilização de EAs únicos ou mistos, nomeadamente Tween® 80 (1), Tween® 80:Span® 80 1:1 (2) ou Span® 80 (3), para preparar transferossomas na ausência (U) e presença (L) de cafeína foi avaliado em termos de Dh, PDI, EE e LC. Os resultados obtidos estão apresentados na Figura 1.

Em relação aos dados Dh, todas as formulações apresentaram diâmetros médios entre 93 e 111 nm, o que as torna adequadas para aplicação transcutânea. De facto, estudos anteriores indicam que transferossomas inferiores a 300 nm são altamente deformáveis e capazes de penetrar em camadas mais profundas da pele (4) e que quanto menor o tamanho da vesícula, maior a sua penetração na pele (8,18).

Através da análise da Figura 1a, verifica-se que a incorporação de cafeína não alterou o tamanho dos transferossomas, independentemente do tipo de EA utilizado (comparações 1U-1L, 2U-2L, e 3U-3L). Por outro lado, o tamanho dos transferossomas variou de acordo com o tipo de EA utilizado, tanto na ausência como na presença de cafeína. De facto, a utilização de Tween® 80 como EA (1U ou 1L) deu origem a transferossomas menores do que os preparados com a mistura de Tween® 80 e Span® 80 (2U ou 2L) ou apenas com Span® 80 (3U ou 3L). O aumento significativo dos valores de Dh causado pela incorporação de Span® 80 também foi observado em comparação com a formulação PC (comparações 2U-PC e 3U-PC), preparada na ausência de EAs. Estes resultados estão de acordo com a literatura (9), uma vez que o aumento do tamanho da vesícula pode estar relacionado com a afinidade do tensoativo para o fosfolípido, apresentando o Span® 80 (HLB=4,3) uma afinidade maior para o PC, uma vez que é mais hidrofóbico que o Tween® 80 (HLB=15) (10).

Os valores de PDI das formulações transferossomais também foram avaliados (Figura 1b) e os valores médios de PDI variaram entre 0,23 e 0,28. É de notar que foram obtidos valores mais baixos de PDI na ausência de cafeína quando se prepararam transferossomas com uma mistura de Tween® 80 e Span® 80 (PDI(2U)=0,23±0,01). Em contraste, na presença de cafeína, a uniformidade da distribuição do tamanho foi superior para transferossomas preparados com Span® 80 (PDI(3L)=0,24±0,01). Apesar das pequenas diferenças encontradas nos valores de PDI, os dados obtidos indicam que todas as formulações de transferossomas são compostas por populações monodispersas de vesículas, uma vez que valores de PDI inferiores a 0,3 são considerados aceitáveis relativamente à uniformidade do tamanho de vesículas (19).

Relativamente ao EE e LC dos transferossomas preparados, os valores médios variaram entre 3% e 9%, sem diferenças significativas de acordo com o tipo de EAs utilizado(s) (Figura 1c). Estes resultados sugerem que a quantidade de cafeína adicionada excedeu a capacidade de carga das vesículas, pelo que uma diminuição na concentração de cafeína e/ou um aumento na concentração de excipientes poderia possivelmente aumentar o EE e LC destes transferossomas em estudos futuros. Devido ao carácter hidrofílico da cafeína, a sua encapsulação dependerá provavelmente do teor de água do núcleo das vesículas, que está diretamente relacionado com o número de vesículas em solução, dependendo assim da concentração de fosfolípidos utilizada para preparar as formulações (20). Esta hipótese está de acordo com os resultados de Colletier et al. (21) que foram capazes de melhorar o EE da acetilcolinesterase através do aumento da concentração de fosfolípidos utilizada nas formulações de lipossomas.

Estabilidade das formulações transferossomais ao longo do armazenamento

A estabilidade físico-química das formulações transferossomais armazenadas a 5 ± 2 °C foi avaliada durante dois meses através da análise de Dh e PDI dos transferossomas em função do tempo (Figura 2). É de salientar que as propriedades das formulações permaneceram estáveis durante um mês. No entanto, o diâmetro dos transferossomas aumentou significativamente após 2 meses em todos os casos, com uma concomitante perda de homogeneidade do tamanho das vesículas (aumento do PDI) no caso das formulações 1U, 1L e PC. O aumento dos valores de Dh ao longo do tempo pode estar relacionado com a agregação de vesículas, o que é mais provável quando a carga superficial das vesículas está próxima da neutralidade (4,22), o que pode ser o caso, uma vez que o componente principal dos transferossomas preparados é a lecitina, um fosfolípido zwitteriónico. Assim, seria interessante avaliar o potencial zeta destes sistemas vesiculares em estudos futuros para melhor compreender o papel da carga superficial das vesículas no fenómeno de agregação destas formulações.

Avaliação in vitro da citotoxicidade das formulações transferossomais

O potencial de citotoxicidade das formulações transferossomais preparadas com EAs únicos ou mistos, na ausência e na presença de cafeína, foi avaliado após tratamento de células HaCat durante 24 h através do método de redução MTT. Os resultados obtidos para todas as formulações e para todos os componentes individuais das formulações, após uma diluição de 1:100 ou 1:200 em PBS, estão apresentados na Figura 3. É de salientar que o tratamento com o controlo positivo (células tratadas com DMSO) causou uma redução significativa da viabilidade celular em comparação com o controlo negativo (células tratadas com PBS), tal como esperado.

Os queratinócitos humanos tratados com cafeína encapsulada ou não encapsulada, em ambas as concentrações em estudo (515,7 e 257,9 μM), não apresentaram diferenças significativas quanto à viabilidade celular quando comparados com as células tratadas com PBS (controlo). Estes dados estão de acordo com estudos anteriormente publicados que demonstraram que o tratamento de células HaCat com uma concentração de cafeína inferior a 512 μM durante 24 h não afeta a viabilidade celular (23,24).

A incorporação de Tween® 80, Span® 80, ou a mistura de ambos em transferossomas não alterou o potencial de citotoxicidade das formulações. Cada componente das formulações (em ambas as concentrações em estudo) também não reduziu significativamente a viabilidade das células HaCat. Mais uma vez, estes resultados estão em linha com publicações anteriores relativas à incorporação de Tween® 80 ou Span® 80 em formulações transferossomais. Em particular, não foi demonstrada citotoxicidade para transferossomas contendo Span® 80 após o tratamento de células HaCat até 48 h (25), bem como para transferossomas com Tween® 80 após tratamento de células de melanoma de rato durante 24 h (12). Segundo temos conhecimento, este é o primeiro trabalho que demonstra a citocompatibilidade de transferossomas constituídos por Tween® 80 e Span® 80, abrindo caminho para o desenvolvimento de formulações transferossomais inovadoras constituídas por EAs mistos.

Conclusões

Neste trabalho exploratório, demonstrámos que os transferossomas constituídos por tensioativos não-iónicos únicos ou mistos como EAs apresentam propriedades físico-químicas interessantes para veiculação cutânea. Além disso, estes sistemas vesiculares permaneceram estáveis durante 1 mês durante o armazenamento sob refrigeração. Embora os valores de EE e LC dos transferossomas devam ser ainda otimizados no futuro, os resultados de viabilidade celular foram muito promissores, uma vez que todas as formulações mostraram compatibilidade com queratinócitos humanos ao fim de 24 h de tratamento nas concentrações estudadas. No conjunto, este estudo indica que a utilização de tensioativos não-iónicos mistos como EAs pode ser uma estratégia valiosa para modular o desempenho dos transferossomas. Estudos adicionais estão em curso para se estudar qual será o melhor rácio entre os tensioativos não-iónicos, a fim de se otimizar a eficiência de encapsulação e a permeação cutânea destes sistemas vesiculares. Esta última propriedade pode ainda ser melhorada com a incorporação dos transferossomas numa formulação semissólida, tal como um gel, uma vez que este poderá prolongar o tempo de retenção na pele

Declaração sobre as contribuições do autor

CPL, ASF e CR, conceção e desenho do estudo; IG, MR e CPL, implementação experimental; IG e CPL, análise de dados; IG, MR e CPL, redação, edição e revisão; IG, MR e CPL, figuras e gráficos; CPL, ASF e CR, supervisão e redação final.

Financiamento

Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através dos projetos UIDP/04567/2020 e UIDB/04567/2020 atribuídos ao CBIOS e através da bolsa de doutoramento 2020.07813.BD atribuída à I.G.

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não há relações financeiras e/ou pessoais que possam representar um potencial conflito de interesses.

 
 
 

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