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Ciências Biomédicas, Biomed Biopharm Res., 2021; 18(2):191-199

doi: 10.19277/bbr.18.2.264; [+] versão pdf aqui[+] inglês html aqui

 

Fotopletismografia em cães: identificação dos elementos espectrais e aplicação em ambiente cirúrgico 

Rui Assunção 1,2, Clemente Rocha 3, Luis Lobo 1,2, Luís Monteiro Rodrigues 3, João Requicha 1,4*

1Faculty of Veterinary Medicine, University Lusófona, Av. Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal; 2 Hospital Veterinário do Porto, Tv. de Silva Porto 174, 4250-475 Porto, Portugal; 3CBiOS - Research Center for Biosciences and Health Technologies, University Lusófona, School of Health Sciences & Technologies, Av. Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal; 4CECAV - Veterinary and Animal Research Centre and AL4AnimalS, Department of Veterinary Sciences, University of Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal

 

*corresponding author / autor para correspondência: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

Resumo

Este estudo piloto teve como objetivos caracterizar através da fotopletismografia (FPG) a atividade cardíaca e respiratória no cão durante o período pré-cirúrgico e identificar os elementos espectrais que constituem esse sinal. A amostra em estudo incluiu quatro cães de diferentes raças, dois machos e duas fêmeas, entre os 7 meses e 6 anos de idade, submetidos a pré-medicação anestésica. O sinal de FPG foi obtido na cauda com um sensor de FPG ligado à placa hardware Bitalino (Plux, Portugal), antes e após pré-medicação com uma combinação de 5 µg/kg de dexmedetomidina e 0,35 mg/kg de metadona por via intramuscular. Os dados recolhidos foram analisados com recurso ao programa Matlab (MathWorks, EUA) e o sinal de FPG decomposto nas frequências que o constituem através da transformada de Wavelet. Posteriormente estimámos os valores máximos e mínimos das atividades cardíaca e respiratória. Encontrámos sete ondas estabelecidas em função da correspondência com as atividades cardíaca e respiratória normais do cão. Este ensaio permitiu demonstrar que a FPG é um instrumento de diagnóstico valioso para registar as frequências cardíaca e respiratória em ambiente clínico com recurso de um aparelho sem-fios.

 

Palavras-chave: cão, frequência respiratória, frequência cardíaca, fotopletismografia, anestesia, transformada de Wavelet

 

Recebido: 05/08/2021; Aceite: 21/11/2021

  

Introdução

A tecnologia sem fios é já um dado adquirido nas ciências da vida com aplicação direta em humanos. Em cães, como em muitos outros animais de companhia e de trabalho, a monitorização adaptável ao corpo do animal ajuda a obter medições objectivas em ambientes domésticos naturais, em vez de depender de avaliações mais subjectivas dos proprietários (1).

A fotopletismografia (FPG) é um método não invasivo (2) com uma vasta aplicabilidade, incluindo a monitorização anestésica, sendo usada em diversos sensores, como por exemplo, em pulsioxímetros e esfingomanómetros (3). O sinal de FPG reflete mudanças no volume sanguíneo de vasos periféricos do plexo vascular cutâneo e subcutâneo (3,4) especialmente determinado pelo batimento cardíaco e pela respiração, para além doutros componentes (5). Com recurso a programas de análise de sinal, é possível estudar o sinal de FPG e caracterizar os seus vários constituintes nas suas diferentes frequências (3). Desta forma, flutuações de onda associadas às actividades cardíaca, respiratória e neuronal podem ser descritas e quantificadas (6). Nilson (2013) descreveu, em humanos, as várias frequências que podem ser encontradas no sinal de FPG com recurso ao método de transformada de Wavelet que permite decompor um sinal primário nos seus vários constituintes (7).

Em medicina veterinária, não há até à data, dados relativos aos intervalos de frequência dos constituintes do sinal de FPG no cão, no entanto é possível assumir que as atividades cardíaca e respiratória do sinal de FPG têm intervalos de frequência elevados. De acordo com Houston (2000), a frequência cardíaca em cães pode variar entre 60 e 140 batimentos por minuto (bpm), isto é, entre 1,0 e 2,3 Hz enquanto que a frequência respiratória pode variar entre 18 e 36 respirações por minuto (rpm), isto é, entre 0,3 e 0,6 Hz (8).

No presente estudo investigámos o potencial interesse de utilização da FPG em ambiente cirúrgico. Os dados das ondas de pulso recolhidos na cauda de cães antes e depois da administração de medicamentos sedativos foram obtidos e analisados.

Materiais e Métodos

Este estudo foi realizado após aprovação pela Comissão de Ética e Bem-estar Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona (Lisboa).

A amostra estudada foi composta por quatro cães com idades compreendidas entre 7 meses e 6 anos de idade (4 ± 2,8 anos), de diferentes raças (Dálmata, Golden Retriever, Perdigueiro Português e sem raça definida), com pesos vivos entre 15 e 29 kg (20 ± 7,8 kg), e de diferentes géneros (dois machos e duas fêmeas).

Em cada cão, procedeu-se à tricotomia de uma pequena área na região ventral da cauda, de forma a melhorar o contacto entre o sensor e a pele do animal (Figura 1); a escolha da cauda como local de estudo prende-se com a facilidade de acesso e conforto para o animal. No mesmo momento, foi realizada uma recolha de dados durante 3 a 5 minutos, sendo posteriormente efetuada a medicação pré-anestésica com o recurso a 0,35 mg/kg metadona (Semfortan, Esteve, Espanha) e 5 µg/kg dexmedetomidina (Dexdomitor, Zoetis, EUA) através de injeção intramuscular. Após um período de cerca de 15 a 30 minutos de espera para efeito (sedativo) da medicação, os dados de FPG foram novamente recolhidos na mesma localização anatómica. Os dados foram obtidos com um sensor de FPG conectado a uma placa de hardware Bitalino (Plux, Portugal) (Figura 1). Depois, os sinais foram transferidos para o programa OpenSignals (r)evolution software (beta version v. 2015) da Bitalino e avaliados com recurso ao software MathLab (MathWorks Inc, v. R2016a, EUA), após seleção da coluna de dados obtidos e após visualização da onda de pulso correspondente (Figuras 2 e 3).

 

 

 

Após identificação dos dados a analisar, foi aplicado o código 1 (ver Apêndix, obtido de http://noc.ac.uk/using-science/crosswavelet-wavelet-coherence) com o objetivo de identificar o pico de amplitude máxima de cada onda. O passo seguinte foi criar um sinal artificial seno, de forma a obter uma expressão de conversão de período em frequência. Assim sendo, uma equação seno com frequências conhecidas foi criada utilizando o código 2 (linha b). De seguida, uma linha de tendência foi criada e traduzida pela seguinte equação y= 49,416e-0,057x; R² = 0,9999.

Depois de gerarmos o sinal artificial seno, calculámos a transformada de Wavelet. Utilizando o código 3, a transformada de Wavelet decompôs o sinal primário num periodograma contendo as varias frequências dos diferentes componentes que o constituem (Figura 2).

Finalmente, foi calculado o período mínimo e máximo de cada onda do periodograma, através da equação previamente descrita. Os valores de frequência mínimos e máximos de cada onda foram obtidos, após substituir o valor de x na equação pelo valor de período de cada onda e, de seguida, multiplicando o resultado por 60, foi obtido o valor de atividade por minuto de cada onda do periodograma.

O protocolo supracitado foi realizado para todos os registos obtidos antes e depois da pré-medicação e, individualmente, para cada animal.

Resultados

A Figure 3 mostra o sinal bruto da FPG e a respectiva decomposição pela análise da transformada de Wavelet.

As médias de valores de frequência máxima e mínima de cada onda constituinte do sinal de FPG antes da pré-medicação foram, respetivamente, as seguintes: onda 1 - 3,11 e 9,43 Hz; onda 2 - 1,18 e 3,00 Hz; onda 3 - 0,57 e 0,97 Hz; onda 4 - 0,23 e 0,44 Hz; onda 5 - 0,12 e 0,21 Hz; onda 6 (registada em apenas três animais) - 0,09 e 0,14 Hz e onda 7 (registada em apenas dois animais) -0,04 e 0,09 Hz. As frequências de onda obtidas no sinal de FPG após a pré-medicação foram: onda 1 - 2,04 e 7,55 Hz; onda 2 - 0,86 e 2,04 Hz; onda 3 - 0,28 e 0,71 Hz; onda 4 - 0,12 e 0,26 Hz; onda 5 - 0,07 e 0,12 Hz e onda 6 -0,08 e 0,10 Hz (apenas em um animal).

Discussão

Este estudo desenvolvido pela primeira vez em clinica veterinária, permitiu utilizar esta tecnologia como método de monitorização das frequências cardíaca e respiratória no cão em ambiente cirúrgico e, ao mesmo tempo, caracterizar as diferentes ondas presentes no sinal de FPG.

Neste sinal, foram identificadas sete intervalos de frequência. Baseado em estudos antes publicados incidindo em humanos ratos e ratinhos (6,9) e tendo em conta o intervalo de frequências cardíacas e respiratórias considerado normal em cães, assumimos que as diferentes frequência de ondas estariam relacionadas com (por ordem descendente de média de frequências): (i) harmónico da atividade cardíaca, 1ª onda entre 3,11 e 9,43 Hz), (ii) atividade cardíaca (2ª onda entre 1,18 e 3,00 Hz), (iii) atividade respiratória (3ª e 4ª ondas entre 0,57 e 0,97 Hz e 0,23 e 0,44 Hz, respetivamente), (iv) atividade vagal aferente (5ª e 6ª ondas entre 0,12 e 0,21 Hz e 0,09 e 0,14 Hz respetivamente) e (v) referente a alterações de tónus simpático (7ª onda entre 0,04 e 0,09 Hz).

Após a pré-medicação anestésica o FPG mostrou, como seria expectável, uma diminuição das atividade cardíaca e respiratória, e um decréscimo na frequência média de cada onda. Na prática médica, a utilidade pratica da FPGexistem vários estudos que provam a aplicabilidade e utilidade da FPG na quantificação das frequências cardíaca e respiratória está amplamente demonstrada (7,10). Em Medicina Veterinária, de acordo com o nosso conhecimento actual, apenas um estudo exploraram a relação entre a FPG e a frequência respiratória em cães (11). Não obstante não terem sido obtidos resultados estatisticamente significativos, na análise da atividade respiratória antes e após a medicação pré-anestésica, foi possível detetar uma ligeira diminuição nos valores de atividade máxima respiratória e uma maior diminuição nos valores mínimos de atividade respiratória. Salientamos contudo, que o propósito do estudo era testar a aplicabilidade desta tecnologia no presente ambiente, o que, na nossa opinião, parece ter sido plenamente conseguido.

Reconhecemos as limitações do estudo, em especial no que respeita à reduzida amostra, à variabilidade interindividual dos cães estudados e a dificuldade na escolha da localização anatómica ideal para colocação do sensor. Contudo, tendo em conta os resultados obtidos e a nossa experiência, poderemos sugerir para estudos futuros (i) utilizar amostras mais homogéneas em termos de raça, idade e peso vivo, de forma a reduzir os vieses experimentais, (ii) usar diferentes locais como a orelha ou as extremidades dos membros torácicos ou pélvicos, (iii) recolher os dados durante um maior período de tempo, de forma a limitar a presença de artefactos associados ao movimento e (iv) proceder a um estudo comparativo de deteção das frequências cardíaca e respiratória com diferentes métodos para além da FPG.

Este trabalho permitiu demonstrar o potencial de interesse de um instrumento deste tipo em ambiente clínico. A possibilidade de obter dados biométricos como a frequência cardíaca e respiratória com a facilidade proporcionada pela fotopletismografia pode ajudar na gestão de múltiplas condições onde a monitorização destes parâmetros pode ser especialmente importante, como é o caso de animais com doenças cardiopulmonares crónicas, pacientes geriátricos ou mesmo em animais convalescentes após cirurgia.

Conclusão

Este estudo piloto demonstrou utilidade da FPG de reflexão, uma técnica não invasiva, na medição das frequências cardíaca e respiratória em cães, e a sua aplicabilidade em ambiente clínico e ambulatório em medicina veterinária. Foi também possível confirmar que a cauda parece ser um local anatómico adequado para a recolha destes parâmetros em cães.

Declaração dos contributos de cada autor

 

JR, LMR, concepção e desenho experimental; RA,LL experimentação; RA, CR, HS, curadoria de dados; RA, JR, LMR, elaboração do texto, edição e revisão; JR, LMR, supervisão e redacção final.

Financiamento

 

Este trabalho foi financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do Estímulo ao Emprego Científico - Apoio Institucional - CEECINS/00127/2018 e suportado pelo projeto UIDB/CVT/00772/2020 e pelo laboratório associado AL4AnimalS.

Conflito de interesse

 

O Editor presente na autoria deste manuscrito não participou nos processos de pessoais revisão e/ou decisão. Os autores declararam não possuir quaisquer relações financeiras ou que possam configurar um potencial conflitos de interesse.

 

Apêndix

 

Code 1

(http://noc.ac.uk/using-science/crosswavelet-wavelet-coherence)

a. t=1:length(ppg);

b. figure(1);

c. plot(t,ppg)

d. title('Raw Signal')

e. xlabel('Samples');

f. ylabel('Voltage(mV)')

g. legend('Noisy PPG Signal')

h. grid on

i. %Find Peaks

j. [~,locs_Peak] = findpeaks(ppg,'MinPeakHeight',a,...'MinPeakDistance',b);

k. figure(3)

l. hold on

m. plot(t,ppg);

n. plot(locs_Peak,ppg(locs_Peak2),'rv','MarkerFaceColor','r');

o. axis([0 5000 440 640]); grid on;

p. legend('PPG Signal','Peak-waves');

q. xlabel('Samples'); ylabel('Voltage(mV)')

r. title('Peak in PPG Signal')

Note: At this point the letter 'a' has been replaced by the minimum amplitude of the waves of the signal 'ppg' and the letter 'b' by the minimum distance between the maximum amplitude peaks of each wave.

Code 2

a. for i=1:d, x(i)=i;

b. seno(i)=sin(2*3.14*4/100*i)+sin(2*3.14*2/100*i)+sin(2*3.14*1/100*i)+sin(2*3.14*0.5/100*i ) + sin(2*3.14*0.25/100*i)+sin(2*3.14*0.125/100*i)+sin(2*3.14*0.0625/100*i)+sin(2*3.14*0.03 125/100*i);

c. end;

d. [waveseno,periodseno,scaleseno,coiseno,sig95seno]=wt(seno);

e. amplitudeseno=abs(waveseno);

f. for i=1:c mediaondasseno(i)=mean(amplitudeseno(i,1:d)); end

g. plot(mediaondasseno);

Note: At this point, the letter “d” represented the total number of points for analysis that were chosen in the original sign (on the abscissa axis of the original sign) and the letter “c” represented the number obtained by the equation.

Code 3

a. [waveppg,periodppg,scaleppg,coippg,sig95ppg]=wt(ppg);

b. [wave,period,scale,coi,sig95]=wt(ppg,'MakeFigure',1);

c. amplitudeppg=abs(waveppg);

d. for i=1:c mediaondasppg(i)=mean(amplitudeppg(i,1:d)); end

e. figure(2), plot(mediaondasppg).

Referências

1. Griffies, J. D., Zutty, J., Sarzen, M., & Soorholtz, S. (2018). Wearable sensor shown to specifically quantify pruritic behaviors in dogs. BMC Veterinary Research, 14(1), 1–10. https://doi.org/10.1186/s12917-018-1428-x.

2. Dorlas, J. C., & Nijboer, J. A. (1985). Photo-electric plethysmography as a monitoring device in anaesthesia. British Journal of Anaesthesia, 57, 524–530. https://doi.org/10.1093/bja/57.5.524.

3. Allen, J. (2007). Photoplethysmography and its application in clinical physiological measurement. Physiological Measurement, 28(3), R1–R39. https://doi.org/10.1088/0967-3334/28/3/R01.

4. Sahni, R. (2012). Noninvasive monitoring by photoplethysmography. Clinics in Perinatology, 39(3), 573–583. https://doi.org/10.1016/j.clp.2012.06.012.

5. Schultz-Ehrenburg, U., & Blazek, V. (2001). Value of quantitative photoplethysmography for functional vascular diagnostics: current status and prospects. Skin Pharmacology and Applied Skin Physiology, 14(5), 316–323. https://doi.org/10.1159/000056362.

6. Nilsson, L. M. (2013). Respiration signals from photoplethysmography. Anesthesia and Analgesia, 117(4), 859–865. https://doi.org/10.1213/ANE.0b013e31828098b2.

7. Leonard, P., Beattie, T., Addison, P. S., & Watson, J. N. (2003). Standard pulse oximeters can be used to monitor respiratory rate. Emergency Medicine Journal, 20, 524–525. https://doi.org/10.1136/emj.20.6.524.

8. Houston D. M. (2000). Clinical exam in dogs and cats. In O. M. Radostits, D. M. Houston, & I. G. Mayhew (Eds.), Veterinary Clinical Examination & Diagnosis (1st ed., pp. 98-101). W. B. Saunders Co. Ltd.

9. Silva, H., Roux, É., Gadeau, A. P., & Rodrigues, L. M. (2020). Wavelet analysis of microcirculatory flowmotion reveals cardiovascular regulatory mechanisms-data from a beta-blocker. Applied Sciences, 10(11), 4000. https://doi.org/10.3390/app10114000

10. Karlen, W., Garde, A., Myers, D., Scheffer, C., Ansermino, J. M., & Dumont, G. A. (2015). Estimation of respiratory rate from photoplethysmographic imaging videos compared to pulse oximetry. IEEE Journal of Biomedical and Health Informatics, 19(4), 1331–1338. https://doi.org/ 10.1109/JBHI.2015.2429746.

11. Nabutovsky, Y., Pavek, T., & Turcott, R. (2012). Chronic performance of a subcutaneous hemodynamic sensor. Pacing Clinical Electrophysiology, 35(8), 919–26. https://doi.org/10.1111/j.1540-8159.2012.034

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