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Ciências Biomédicas, Biomed Biopharm Res., 2022; 19(2):265-277

doi: 10.19277/bbr.19.2.295; versão pdf aqui [+]; versão inglês html [EN] 

 

 

Estudo piloto de planta alimentícia não convencional (PANC): adesão da capuchinha (Tropaeolum majus L.) na dieta e monitorização de indicadores biométricos e clínicos

Sérgio Faloni de Andrade1, Maria da Graça Lopes Serrador1, Alda Pereira da Silva1,3,4, Rejane Giacomelli Tavares1,2, Luis Monteiro Rodrigues1, Maria do Céu Costa1,5

1Universidade Lusófona - CBIOS - Research Center for Biosciences and Health Technologies, Av. Campo Grande, 376, 1749-024, Lisboa, Portugal; 2Universidade Federal de Pelotas- PPGNA- Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Alimentos, Rua Gomes Carneiro, 01, 96010-610, Pelotas, RS, Brazil; 3Institute for Preventive Medicine and Public Health, Lisbon School of Medicine, University of Lisbon, Portugal; 4Clinic of General and Family Medicine, Ecogenetics and Human Health Unity, Institute for Environmental Health, ISAMB, Portugal; 5NICiTeS, Polytechnic Institute of Lusophony, ERISA-Escola Superior de Saúde Ribeiro Sanches, Lisboa, Portugal

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Resumo

As flores de Tropaeolum majus conhecidas como capuchinha, capuchinha de jardim, agrião-da-índia ou agrião-monge são mundialmente utilizadas como suplemento alimentar em dietas à base de plantas, adicionadas a smoothies, sopas, maioneses e saladas por consumidores em busca de fontes de substâncias consideradas benéficas para a saúde humana. A maioria dos estudos mostra qualidades nutricionais e efeitos benéficos da planta, principalmente das flores, e seus extratos aquosos in vitro e em animais. Este estudo piloto foi desenhado para avaliar a aceitação da ingestão diária e possíveis benefícios resultantes da ingestão de flores de T. majus, em voluntários humanos saudáveis consumindo 20 g de flores de T. majus por dia em 30 dias. Antes e após a ingestão, a composição corporal, frequência cardíaca, pressão arterial e parâmetros hematológicos e bioquímicos foram analisados. Os resultados mostram boa aceitação e uso seguro das flores de T. majus numa dieta equilibrada e variada. No entanto, é importante destacar que este é o primeiro estudo exploratório sobre a segurança do consumo de flores de T. majus em humanos saudáveis, e, portanto, apesar do consumo generalizado descrito, são necessários estudos adicionais para aprofundar os resultados em indicadores biométricos e clínicos em um número maior de voluntários.

Palavras-chaveTropaeolum majus, plantas alimentícias não-convencionais (PANCs), capuchinha, flores comestíveis

Recebido: 13/11/2022; Aceite: 09/12/2022

 

Introdução

Tropaeolum majus L. (Figura 1) é popularmente conhecida como capuchinha de jardim, capuchinha, agrião-da-índia ou agrião-dos-monges. Pertence à família Tropaeolaceae e é uma planta nativa dos Andes, principalmente da Bolívia e Colômbia, onde cresce naturalmente, trazida para a Europa do Peru no século XVI e é cultivada com sucesso como planta anual e decorativa (1,2). Atualmente, encontra-se em toda a Europa, em algumas regiões da África, Ásia e Oceania (3).

Esta espécie é utilizada na medicina popular, para o tratamento de diversas doenças. Suas folhas são usadas para tratar distúrbios cardiovasculares, infecções do trato urinário, asma e obstipação (4). Estudos pré-clínicos mostraram efeitos anti-hipertensivos e diuréticos (5,6) e ensaios in vitro usando células de cultura revelaram efeitos anti-adipogênicos de extratos de T. majus (7). Além disso, vários estudos toxicológicos (toxicidade crónica e subcrónica, toxicidade reprodutiva e genotoxicidade) foram já realizados e mostraram que infusões de T. majus e extratos aquosos são seguros (8,9). No entanto, o uso de altas doses de extratos hidroetanólicos não deve ser recomendado para homens em idade reprodutiva e gestantes, pois altas doses desses extratos (> 300 mg.kg) têm interferido na função reprodutiva e gestação dos animais (4,8-10), embora o pré-tratamento com extrato de álcool metanólico de T. majus forneça proteção contra a toxicidade sanguínea e hepática induzida por maleato de dietilo em ratos, sendo esses resultados confirmados por exames histológicos (11). Nos últimos anos, a flor de T. majus tem sido amplamente utilizada na culinária como planta alimentícia não convencional (PANC) para decorar pratos, principalmente saladas, sendo caracterizada pelo sabor picante e como importante fonte de carotenoides (violaxantina, anteraxantina, luteína, zeaxantina, zeinoxantina, β-criptoxantina, α-caroteno, β-caroteno) e compostos fenólicos (quercetina, miricetina, kaempferol, pelargonidina, delfinidina, cianidina, derivados do ácido hidroxicinâmico) (12-16).

Termos como “alimentos funcionais” ou “nutracêuticos” são amplamente utilizados no mercado. Esses alimentos são regulamentados pela Food and Drug Administration (FDA) sob a autoridade da Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos, embora não sejam especificamente definidos por lei. Assim, os alimentos funcionais não são oficialmente reconhecidos como categoria regulatória pela FDA nos Estados Unidos e o mesmo acontece na Europa, onde se aplica o Regulamento (CE) n.º 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Dezembro de 2006 sobre nutrição e as alegações de saúde feitas em alimentos. As alegações de “função geral” nos termos do Artigo 13.1 do Regulamento CE sobre alegações nutricionais e de saúde referem-se ao papel de um nutriente ou substância no crescimento, desenvolvimento e funções corporais; funções psicológicas e comportamentais; emagrecimento e controle de peso, saciedade ou redução da energia disponível da dieta. A planta T. majus pode ser candidata para uma alegação de função geral se for demonstrada uma relação causa-efeito para um determinado efeito fisiológico.

Neste contexto, e considerando o uso espontâneo mundial como planta alimentícia não convencional, e com base na presunção de segurança percebida pelo consumidor apoiada em informações publicadas, desenhou-se um estudo de investigação exploratória para avaliar pela primeira vez a aceitação das flores de T. majus na dieta adicionando-a em diferentes tipos de pratos, bem como os seus efeitos na composição corporal, parâmetros bioquímicos e hematológicos em voluntários saudáveis.

Materiais e métodos

Participantes

O estudo foi feito com a participação voluntária de seis indivíduos saudáveis, de ambos os sexos (1 homem e 5 mulheres), com idades entre 21 e 71 anos (média 52,50±17,28 anos) recrutados aleatoriamente de uma população de conveniência convidada a participar em testes sensoriais pela equipa de pesquisadores. A aceitação prévia ao estudo, e a adesão durante o estudo, das flores de T. majus na dieta, foram avaliadas por meio de questionários nos quais os voluntários descreviam suas opiniões sobre os aspectos visuais e gustativos das refeições preparadas. As seguintes receitas foram incluídas no estudo de aceitação antes do teste: sopa, torta de carne, assado, empanado, bacalhau, arroz, suco, torta doce e gelatina. Os parâmetros questionados foram: i) Já ouviu falar em plantas alimentícias não convencionais (PANCs)? ii) Costuma consumir PANCs? iii) Já provou esta planta? Após a degustação, como a descreve? iv) Pode utilizar os termos sugeridos para definir as refeições: Aspeto: agradável/desagradável/outro; Cor; Odor: intenso/leve/outro; Sabor: amargo/doce/picante/outro; Textura: aveludado/granulado/líquido/pastoso/outro. Todos os procedimentos observaram os princípios de boas práticas clínicas da Declaração de Helsínquia e respectivas alterações (17). Os voluntários foram incluídos no estudo após consentimento informado por escrito. Os critérios de inclusão foram: aceitar o gosto da capuchinha como agradável, estar disposto a inclui-la na dieta diária durante um mês. Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: (i) qualquer possibilidade de gravidez, (ii) homens em idade reprodutiva, (iii) qualquer doença pré-existente. Além disso, os participantes preencheram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido no qual informavam se fumavam, e se tomavam medicamentos e quais.

Procedimentos

Primeiramente, os voluntários selecionados de acordo com os critérios descritos acima foram informados detalhadamente sobre os objetivos, métodos e seu papel no projeto. Após a assinatura do consentimento informado por escrito, foram recolhidos dados de todos os participantes através da aplicação de um questionário semiquantitativo de frequência alimentar (QFA), já validado para a população portuguesa (18), definindo uma porção média de referência consumida ao longo de um ano para todos os grupos da tabela alimentar. O questionário utilizado foi composto por uma lista dos nutrientes pertencentes aos 7 grupos de convencionais da roda alimentar portuguesa (19) e uma seção fechada com cinco categorias de frequências de consumo onde foram extraídos 12 itens de alta classificação (lacticínios, peixes gordos, peixes magros e bacalhau, carne branca e vermelha, azeite, pão integral e cereais, ovos, doces, verduras e legumes e frutas). Em seguida, os voluntários receberam as receitas para preparar aas refeições contendo as flores de T. majus. A ingestão foi dividida em três refeições por dia (pequeno almoço, almoço e jantar) totalizando 20 g de flores ingeridas diariamente durante 30 dias. A porção de 20 g por dia dividida em três frequências diárias nas principais refeições foi baseada na recomendação de ingestão diária de salada de folhas regularmente usadas pela população (por exemplo alface, rúcula), que é de 12-15 folhas por dia no mínimo (20).

As refeições eram diversificadas, por exemplo, saladas, sopas, bolos, sanduíches, entre outros. Em dois momentos, um no momento zero (antes de iniciar o consumo de T. majus) e outro no momento final do estudo, a composição corporal de todos os voluntários foi avaliada por absorciometria de raios-x de dupla energia (DXA Lunar Prodigy Advance - GE Healthcare, Chicago, Illinois, EUA). Os parâmetros medidos foram: Percentual de Gordura Corporal (BFP), Tecido Adiposo Visceral (TAV) e Tecido Adiposo Subcutâneo (TAS). A frequência cardíaca e a pressão arterial também foram medidas, e amostras de sangue foram recolhidas análises clínicas (hematológicas e bioquímicas) e de urina no Laboratório LEB (Lisboa, Portugal).

Durante o estudo, foi perguntado para cada refeição: i) Gostou/não gostou da adição das flores de T. majus? Justificar. ii) Considera que poderia tornar-se uma opção regular na sua dieta ou não? Justificar. Durante o estudo, os voluntários foram contatados diariamente pelos pesquisadores para relatar se haviam ingerido toda a porção diária ou se havia sobras para quantificar (em colheres), e sua opinião sobre as refeições, bem como quaisquer efeitos indesejados/inesperados.

Material vegetal

O material vegetal foi coletado no dia 12 de julho de 2021, na Latitude 38.955834, Longitude - 8.994359, Parque Urbano Dr. Luis César Pereira, Horário: 14h40. A colheita manual foi realizada por um único técnico e a amostra do material foi depositada e identificada pela Curadora de Plantas Vasculares, Herbário LISU - Jardim Botânico/Herbário LISU - Jardim Botânico , Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Lisboa, Portugal. (Voucher número: LISU270425). O material foi fornecido para os voluntários separado em porções de 20 g. (porção diária) e mantidos na temperatura de -20oC até o momento do consumo.

Estatística

Os dados são relatados como média ± erro padrão da média (SEM) e foram comparados pelo teste T usando o software GraphPadPrism 5® (software GraphPad, San Diego, CA, EUA). Um valor de p <0,05 foi considerado significativo em todos os experimentos.

Resultados e Discussão

Foi identificada a prática de uma alimentação saudável com o objetivo de controlar o risco de obesidade para os participantes do estudo com base nos seus hábitos alimentares, caracterizados pelo consumo abundante e variável de alimentos vegetais, alto consumo de cereais, azeite como principal gordura, baixo consumo de carne vermelha, e consumo de vinho nulo a moderado (Tabela 1). Está bem estabelecido que o alto consumo de carne vermelha, ácidos gordos saturados e colesterol podem estar associados ao aumento do risco de diabetes, cancro, Doenças Cardiovasculares (DCVs) (21-23). Além disso, a proteção da doença de Alzheimer foi associada a uma maior ingestão de vegetais, frutas, grãos integrais, peixes e legumes e a uma menor ingestão de laticínios com alto teor de gordura, carne processada e doces (24), e estudos epidemiológicos sugerem um papel frutas e hortaliças, na proteção contra riscos de doenças e envelhecimento (25), razão pela qual a OMS considera que estes devem ser os principais alimentos a serem ingeridos (26).

A análise dos parâmetros relacionados com a composição corporal revelou que não houve efeito no Percentual de Gordura Corporal (PB), Tecido Adiposo Visceral (TAV) e Tecido Adiposo Subcutâneo (TAS) após o consumo das flores de T. majus (Figura 2).

Kim et al. (7) mostraram em cultura de células (adipócitos 3T3-L1) que o extrato etanólico de T. majus diminui o acúmulo de lípidos e inibe a expressão do receptor γ ativado por proliferador de peroxissoma (PPARγ), CCAAT/enhancer-binding proteins (CEBPs) e fator de transcrição de ligação ao elemento regulador de esterol 1 (SREBF1), que são fatores de transcrição envolvidos na regulação da via de adipogénese em adipócitos 3T3-L1. No presente estudo, não foi observado efeito na acumulação de lípidos nem redução significativa do teor de trigliceridos no sangue resultante da ingestão de 20 g diários de flores de T. majus. Os resultados provavelmente não são relacionáveis pois dizem respeito a modelos de estudo e condições experimentais muito diferentes, mas despertam interesse para estudos futuros com ingestão de T. majus por um período mais longo, por participantes com maior percentagem de massa gorda.

Todos os participantes relataram que as refeições preparadas com a porção diária de 20 g de flores de T. majus tinham sabor agradável e nenhum abandonou o estudo. Mlcek et al. (27) também relataram boa aceitação de T. majus num estudo que envolveu avaliação sensorial de várias espécies de flores comestíveis. Adicionalmente, nenhum voluntário relatou durante o contato diário com os investigadores responsáveis pelo estudo qualquer alteração no número de evacuações e consistência das fezes, volume urinário ou qualquer outro desconforto ou alteração/sintoma inesperado durante o período de 30 dias de ingestão de flores de T. majus e no intervalo de 2 semanas após a conclusão. Também não foram observadas alterações na frequência cardíaca e na pressão arterial.

Não foram encontradas alterações quando analisados os parâmetros hematológicos (Tabela 2) e quando avaliados os parâmetros bioquímicos séricos utilizados para avaliar as funções hepática, renal, pancreática e metabólica (Tabela 3). A ausência de toxicidade de T. majus foi anteriormente demonstrada por Araújo et al. (8), em estudo pré-clínico utilizando extrato hidroetanólico por 90 dias em roedores e lagomorfos. Gasparoto Junior et al. (4) também descreveram a inexistência de qualquer alteração nos parâmetros renais, como ureia sérica e creatinina sérica, utilizando extrato etanólico de T. majus e um dos seu principais constituuintes, a isoquercetina. No presente estudo, apenas para o biomarcador Proteína C-Reativa (PCR) foi observada uma diminuição significativa após a adição de flores de T. majus à dieta (Tabela 3) de 1,18 ± 0,16 mg/dL para 0,73 ± 0,04 mg/dL embora na faixa de níveis saudáveis. É bem conhecido que a PCR é uma proteína de fase aguda que tem sido associada à resposta subsequente a uma lesão e inflamação sistémica (28). Atualmente, diversos estudos epidemiológicos têm mostrado uma associação consistente entre o risco de doença cardiovascular e as concentrações de PCR. A PCR é um marcador para processos inflamatórios que podem estar envolvidoas em todos os estágios, influenciando diretamente o processo aterosclerótico, ativação de células vasculares, trombose e acumulação de lípidos (29). T. majus contém uma variedade de compostos bioativos que também são conhecidos pelo seu potencial anti-inflamatório e antioxidante, incluindo ácido ascórbico (Vitamina C), flavonóides, carotenóides e outros polifenóis (30). Tran et al. (31) demonstraram que extratos aquosos de T. majus exerceram forte supressão dependente da concentração na libertação de TNF-alfa desencadeada por LPS e sinalização da via COX, incluindo a síntese de PGE2. Além disso, o T. majus é rico em glucosinolatos (32,33) como a glucotropaeolina que é metabolizada em isotiocianato de benzilo, que são moléculas termoestáveis e que possuem atividades anticancerígenas (34, 35). Perante esta informação, é importante reconhecer que a monitorização da PCR antes e após a ingestão de T. majus por um período maior de tempo e para um grupo mais representativo de voluntários humanos pode contribuir para entender melhor o motivo e significância da diminuição observada neste estudo.

Numa perspetiva de sustentabilidade, estima-se que existam cerca de 27 mil espécies vegetais com potencial alimentar no mundo, no entanto, apenas cerca de 103 espécies vegetais são responsáveis por 90% da oferta mundial de alimentos (36). Ou seja, existem muitas espécies com potencial alimentar que são negligenciadas. Muitas foram utilizadas no passado, mas com os processos de industrialização e urbanização o seu uso foi abandonado. Nos últimos anos, várias destas espécies têm-se destacado como PANCs nutritivas com elevado impacto em países da América Latina e Ibero-americanos, nomeadamente Brasil e Portugal, sendo a T. majus uma delas (12). Percebe-se, assim, que são importantes mais estudos sobre a sua aceitação, segurança e valor nutricional para entender qualquer relação benefício/risco para seu uso na dieta humana.

No contexto da globalização, a "Estratégia da quinta ao prato" está no centro do Pacto Verde Europeu para tornar os sistemas alimentares justos, sustentáveis e saudáveis. O papel das PANCs nesse caminho é indiscutível, mas aumentar a adoção de dietas saudáveis e sustentáveis não significa aderir a todas as PANCs disponíveis oferecidas sem nenhum critério (37). A necessidade de antecipar os riscos emergentes para o consumo de flores comestíveis foi trazida para a agenda da EFSA (European Food Safety Authority). A garantia de informações claras é um requisito do consumidor que deve ser atendido, propósito que deve unir universidades/pesquisadores e autoridades, aplicando a abordagem da Presunção de Segurança Qualificada (QPS) para a avaliação de segurança de preparações botânicas publicadas pela EFSA (38). Como exemplo para a abordagem das PANCs, a EFSA foi questionada muito recentemente pela Comissão Europeia se existiam objeções de segurança devidamente fundamentadas à colocação no mercado de flores secas de Clitoria ternatea L. alimento tradicional conhecido como ervilha borboleta por parte de um país terceiro da União Europeia (39). A EFSA observou efeitos hemolíticos e citotóxicos in vitro relatados para alguns ciclotidos (proteinas circulares), bem como dados indicando possíveis efeitos no sistema imunológico e no útero (embora os ciclotidos responsáveis por estes efeitos não tenham sido detectados em Clitoria ternatea). Mesmo assim, dada a potencial exposição a ciclotidos resultante do uso de C. ternatea para a preparação de infusões de ervas e o perfil toxicológico desconhecido dos ciclotidos presentes nessas flores comestíveis, a EFSA considerou que poderia existir algum risco para a saúde humana. Assim, a EFSA levantou objeções de segurança à colocação no mercado da UE das flores secas de Clitoria ternatea.

Considerando a PANC T. majus, aplica-se a orientação a priori da EFSA para a avaliação da segurança de plantas e preparações botânicas destinadas a serem usadas como ingredientes em suplementos alimentares (40), que prevê que plantas ou preparações botânicas para as quais existe um corpo de conhecimento adequado podem beneficiar de uma “presunção de segurança (QPS)” sem necessidade de mais testes. Nesta situação, a decisão do QPS para T. majus pode ser baseada em dados disponíveis sobre o histórico de uso seguro em níveis de exposição tradicionais, ou seja, dados seguros para extratos aquosos de T. majus e consumo da flor inteira, sem relato de efeitos adversos (41).

No caso particular das flores de T. majus, há evidências da segurança aceitável de seu uso como ingrediente totalmente natural ou suplemento alimentar nas refeições diárias, bem apoiada por estudos de extratos aquosos (meio culinário típico) em animais e aqui em humanos pela primeira vez. No entanto, uma vez que existem alertas na literatura sobre potenciais preocupações adicionais relacionadas com os efeitos reprodutivos dos extratos etanólicos, é aconselhável que mais pesquisas sejam realizadas em busca de uma substância ou grupo de substâncias para o qual um valor deva ser definido como limite relacionado com os efeitos observáveis na saúde. Tendo em conta que os dados de qualidade e toxicidade existentes são insuficientes para derivar tal valor, e os concentrados de T. majus obtidos em álcool não parecem adequados para uso alimentar irrestrito, a avaliação de segurança de T. majus deve ser desenvolvida para os seus diversos extratos.

Por fim, é importante reconhecer que, por se tratar de um trabalho piloto exploratório, existem algumas limitações neste estudo: 1) número limitado de participantes (seis) cujo recrutamento foi prejudicado por um estudo em fase de pandemia; 2) distribuição heterogênea de sexo e idade dos participantes; 3) falta de um grupo controle e 4) falta de estimativa da ingestão de energia e nutrientes, embora a frequência de consumo e o tamanho da porção dos alimentos já tenham sido avaliados.

Conclusão

Os resultados obtidos indicam que as flores de T. majus são bem aceites quando adicionadas a diferentes refeições e corroboram as informações da literatura sobre seu uso ser seguro para humanos. Este é o primeiro estudo exploratório referente à segurança do consumo de flores de T. majus em humanos saudáveis, alertando para a importância de serem desenhados estudos adicionais mais completos para confirmar os resultados promissores em um número maior de voluntários.

Declaração de Contribuições dos Autores

As contribuições dos autores foram: SFA, MCC, MGLS e RGT realizaram procedimentos experimentais. SFA, RGT, APS, LMR e MCC realizaram a análise estatística, redigiram e corrigiram o manuscrito em sua versão final.

Agradecimentos

Esta investigação é financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através da bolsa UIDB/04567/2020 ao CBIOS. Sérgio Faloni de Andrade é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) - Contrato de Estímulo ao Emprego Científico com a referência CEEC/CBIOS/PMHD/2018.

Conflito de interesses

Os editores envolvidos na autoria deste manuscrito não tiveram participação no processo de revisão ou decisão. Todos os autores afirmaram que não existem relações financeiras e/ou pessoais que possam representar um potencial conflito de interesses.

 

Referências

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